Cultura

O ano da morte de Eduardo Lourenço

Escrito por Jornal O INTERIOR

Pensador faleceu aos 97 anos em Lisboa no dia 1 de dezembro e foi sepultado em São Pedro de Rio Seco, no concelho de Almeida, após 67 anos de itinerância pelo mundo

Eduardo Lourenço regressou onde tudo começou após mais de 60 anos de itinerância. O pensador e ensaísta foi sepultado esta quinta-feira em São Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida, onde nasceu a 23 de maio de 1923.

Personalidade intelectual, cultural, ética e cívica que marcou o século XX português, Eduardo Lourenço faleceu esta terça-feira, em Lisboa, aos 97 anos. Em 2011, o júri do Prémio Pessoa justificava a atribuição do galardão ao filósofo dizendo que Eduardo Lourenço «é um português de que os portugueses se podem e devem orgulhar. O espírito de Eduardo Lourenço foi sempre reforçado pela sua cidadania atenta e atuante. Portugal precisa de vozes como esta. E de obras como esta». Distinguir «décadas de dedicação, labor e curiosidade intelectual, que o levaram à constituição de uma obra filosófica, ensaística e literária sem paralelo», foi outro dos argumentos invocados na altura. Numa entrevista a O INTERIOR em agosto desse ano, Eduardo Lourenço falou do crepúsculo da sua vida. «Saí de Portugal por causa de uma espécie de curiosidade intelectual e encontrei um reino quando afinal o verdadeiro reino era este onde estou», afirmou. De uma lucidez enriquecedora, o pensador e ensaísta considerou ainda que Portugal é «uma tragédia», mas acrescentou que para que se possa levar melhor, tem «muita comédia e alguma farsa». Na sua opinião, o futuro do país está na Europa, agora que já não podemos «fazer vida» pelo mundo. «O nosso passado glorioso já pouco serve», garantiu.

Eduardo Lourenço com 16 anos,
junto da mãe e dos irmãos, na cidade da Guarda, em 1939

Frequentou o Liceu da Guarda e cursou Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde lecionou como professor assistente até 1953, assumindo desde então uma atitude crítica e um pensamento autónomo. No ano seguinte lecionou nas universidades de Hamburgo e Heidelberg (Alemanha), Montpellier (França), São Salvador da Baía (Brasil), Grenoble e Nice (ambas em França), onde se aposentou em 1988, ficando a viver na região de Vence até 2013, altura em que, após a morte da esposa, Annie Salomon de Faria, regressou a Portugal. Autor de vasta obra ensaística e filosófica, orientada por uma constante argumentação personalista, é considerado o «expoente máximo» do ensaísmo literário e cultural contemporâneo. Eduardo Lourenço foi unanimemente reconhecido no meio universitário com quatro Doutoramentos Honoris Causa e no meio cultural e social com a atribuição de vários prémios nacionais e internacionais, para além de condecorações do Estado Português, Francês e Espanhol, e de inúmeras homenagens.

Em 1999, por ocasião dos 800 anos da cidade, lançou o desafio de se criar na Guarda um «Instituto da Civilização Ibérica» que unisse as duas universidades mais antigas da Península (Coimbra e Salamanca). O repto deu origem ao Centro de Estudos Ibéricos, de que foi diretor honorífico, e que, em 2004, instituiu o Prémio Eduardo Lourenço para distinguir anualmente personalidades ou instituições com intervenção relevante no âmbito da cultura, cidadania e cooperação ibéricas. Neste regresso à cidade onde estudou, com Vergílio Ferreira, doou grande parte do seu acervo literário à biblioteca municipal Eduardo Lourenço, inaugurada em 2008 e que é doravante a guardiã do pensamento livre e humanista do seu patrono.

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Jornal O INTERIOR

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