Cultura

«Há uma geração que não lê livros»

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Escrito por Efigénia Marques

Violante Saramago Matos apresentou na Guarda o livro
“De memórias nos fazemos” sobre o relacionamento com o pai,
José Saramago

A única filha de José Saramago esteve na Guarda, na última quinta-feira, para uma tertúlia no museu da cidade e para apresentar a sua mais recente obra, intitulada “De memórias nos fazemos”, na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço (BMEL).
O livro foi escrito para homenagear o pai aquando do centenário do seu nascimento, a 16 de novembro de 2022. «Optei por fazer esta recolha de memórias porque são ilustrativas da forma como um rapaz novo, serralheiro civil, e uma rapariga que era datilógrafa me conseguiram educar», disse a Violante Saramago Matos a O INTERIOR. Uma das primeiras histórias que destacou foi quando, no liceu, a professora pediu à turma que integrava que escrevessem uma redação sobre Goa. A autora teria então «entre 11 e 12 anos» e lembra que «ninguém sabia o que era Goa, mas eu escrevi a minha redação». Antes de José Saramago ler o texto, questionou «o que é que sabes sobre Goa?». A resposta da filha foi, segundo a própria, «parva, idiota e imbecil», pois sobre Goa «não sei nada».
Segundo a escritora, este episódio mostrou-lhe a importância da «leitura e do estudo», de «conhecer e refletir, para depois dizer alguma coisa». A partir desse dia «nunca falei de algo que não sabia». Na BMEL, Violante Saramago Matos lamentou que haja «uma geração que não lê livros» e que até a forma como os jovens se relacionam «mudou». E há outra coisa: «Estes jovens substituem a proximidade das relações pelas mensagens do telefone. Há um défice de afeto», alertou, notando que, nos telemóveis, eles «estão a ler e a escrever, mas estão a perder a comunicação». Na sua opinião, este é um problema que «não pode ser resolvido só pelos jovens, porque não sentem esta necessidade. A presença do livro desde pequeninos é muito importante – e o livro tem de ser bem escolhido e de acordo com os interesses da criança», sublinhou.
Violante Saramago Matos considerou também que o défice de leitura e de afeto são ainda «efeitos da ditadura nos hábitos dos jovens», isto porque a sua geração quis «proteger os filhos» do que tinha passado durante a ditadura. «Estávamos na faculdade quando se deu o 25 de Abril. A grande maioria dos jovens não tinha acesso ao ensino superior e sofreu muito. Por isso, não quisemos que os nossos filhos passassem pelas mesmas situações e fechámo-los numa campânula em que estavam a salvo. É geracional», realçou a autora. Por tudo isto, disse acreditar que «as crianças que agora estão a começar os estudos têm mais interesse do que aquelas que já saíram do ensino». Até porque, atualmente, nas escolas «há mais a presença do livro e a atenção das crianças é outra, assim como a leitura», afirmou.

Saramago: o apelido deixado em casa

Durante anos a fio, Violante Saramago Matos escondeu o apelido que a associava ao pai. «A partir dos anos 80, em que fui para a Madeira, já casada, foi muito simples: o apelido ficou em casa. Ou se cresce por si, ou se cresce porque é filho», referiu.
E para a filha do Prémio Nobel da Literatura, «a forma mais simples de contornar a situação» era adotar o apelido do marido (que era obrigatório) e passou a ser Violante Matos. José Saramago ficou «furioso» e acusou a filha de «ter vergonha do pai», lembra agora, dizendo que, para o pai, a decisão da filha esconder o apelido que os ligava era como que «uma indignação». No entanto, a escolha foi mais tarde aceite: «Já tinha tentado explicar o porquê de retirar o Saramago e, um dia, quando estávamos parados no semáforo, apareceu uma senhora que já conhecia, mas não era próxima. Vem direita ao carro e afirma “Violante! É o Saramago! Conheces o Saramago?” e eu respondi, “Sim, é o meu pai”. Ao que a senhora me disse “É seu pai? Há de lá ir a casa beber um chá”. Então virei-me para o meu pai e perguntei “percebeste que eu não posso ser a filha do José Saramago enquanto eu não achar que devo?». Estas e muitas outras histórias são contadas no livro “De memórias nos fazemos” escrito pela única filha de José Saramago para homenagear o pai no centenário do nascimento do Prémio Nobel da Literatura.

Sofia Pereira

Sobre o autor

Efigénia Marques

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