O meu interesse e respeito por Anne Baxter foi paulatinamente construído à medida que assisti a alguns dos seus filmes. Embora conhecedor do talento dramático da atriz, desde que vi o seu filme mais emblemático, “All About Eve” (1950), desconhecia até há relativamente bem pouco tempo o serpenteante e inesperado caminho por ela trilhado para se revelar como profissional bastante respeitada e protagonista de uma filmografia apreciável.
Aprendi isso através do excelente blogue “My Romance with Movies” (que sigo com bastante frequência). Como está nele patenteado, Baxter nunca foi promovida pela Fox com o mesmo entusiasmo de outras suas contemporâneas, como Jeanne Crain ou Linda Darnell. De facto, a atriz raramente encabeçou filmes ambiciosos da casa como “Laura” (1944) ou “Letter to three Wives” (1949). E, mesmo participando em dois filmes emblemáticos, como o já citado “All Abou Eve”, uma das películas da minha vida, e “The Ten Commandments” (distribuído pela Paramount), a atriz não foi a primeira escolha para os papéis que representou. Para “All About Eve”, Zanuck desejava a doce Crain no papel da dissimulada Eve, mas Joseph L. Mankiewicz, o realizador, considerou que Baxter aparentava uma “bitch virtuosity” que era essencial para o papel. E estava certo. Obviamente que não estou a dizer que Baxter, a atriz, seja viperina ou perigosa. Todavia, observo o seu olhar felino e cor avelã e está lá uma certa frieza possibilitadora da natureza pérfida da personagem.
Para a caprichosa e sensual princesa Nefretiri chegou a pensar-se noutra doçura, Audrey Hepburn. Mas ela foi considerada demasiado magra para encarnar tal personagem voluptuosa e Baxter ganhou o papel. Evidencia-se, pelo que foi dito, uma deliciosa ironia: a atriz, contrariando as expectativas, acabou por ocupar, no mundo do cinema um lugar mais importante do que Crain ou Darnell graças a esses dois filmes tão populares. Além disso, Baxter deu ainda provas do seu talento ao conseguir uma nomeação ao Óscar de Melhor Atriz pelo seu antológico desempenho em “All About Eve” (quase que faz sombra à grande Bette Davis) e ter ganho o homem dourado na categoria de Melhor Atriz Secundária pela sua admirável performance de mulher trágica em “The Razor’s Edge” (1946).
Precisamente ao contrário do que disse Marlene Dietrich a seu respeito, Baxter definiu-se como sendo uma atriz, não uma personalidade. Certo. Baxter nunca jogou o jogo de Hollywood. E ela também não era tremendamente enigmática, como Garbo, para que a sua descrição resultasse deveras fascinante. O seu olhar, malicioso mas convidativo, tem uma certa aura de mistério, é verdade, mas é o seu apreciável talento dramático que se sobrepõe.
Miguel Moreira