P-Foi eleito, na passada sexta-feira, presidente do Orfeão da Covilhã. O que o levou a candidatar-se a este cargo?
R- Estou aposentado desde 2017 e senti que se ficasse só metido em casa não faria mais do que estar sentado a ver filmes ou a ler e ouvir música [risos], os meus três hobbies. Senti que ainda capacidade para fazer outras coisas. Este é o ponto um. Ponto dois: fui convidado por dois amigos que estão no orfeão há muitos anos, que me desafiaram. E eu nunca tinha pensado no assunto, sou sincero. Portanto comecei a fazer uns contactos com a malta mais nova que eu, e pensei que ainda aguento mais dois ou três anos a trabalhar a sério, porque tenho muita experiência de gestão. Achei [também] que aquilo que consegui fazer tem a ver com algumas características que tenho de perfil pessoal: sou uma pessoa positiva, que vê sempre o copo meio cheio, para mim as dificuldades são para vencer… e o orfeão estava (e está ainda) numa situação bastante preclitante. Deixaram cair a imagem daquilo. Houve falta de alunos e não houve estratégia para combater isso e portanto, nos últimos três anos, as contas têm sido cada vez piores. É uma situação que, das duas uma: ou se pega naquilo agora e se tenta dar a volta ou então deixa-se cair e vai morrer por si.
P- Esse ponto vai de encontro à próxima questão: quais serão os principais desafios que espera encontrar?
R-O meu maior desafio vai ser lutar, mobilizar pessoas ou instituições para essa enorme tarefa de celebrar um centenário – que será daqui a seis anos, esteja cá eu ou esteja cá outro – que vai ditar, no fundo, se a instituição supera [a data] ou se vai morrer. Portanto tenho que mobilizar pessoas, tenho que mobilizar instituições para também quererem isto. Essa vai ser a tarefa difícil. Falar com muita gente, ter ações concretas onde todos se sintam úteis a construir algo para dar visibilidade à música e à instituição. Atrás disso, a segunda dificuldade [será] vencer as pequenas barreiras que há sempre, não só em zonas do interior… mas…onde há várias organizações a trabalhar na mesma coisa há sempre conflitos. Vai ser preciso mobilizar cada uma das muitas instituições que estão ligadas à música de alguma maneira (porque ensinam, ou porque fazem ou porque têm coros, porque têm música clássica ou ligeira ou porque têm música filarmónica, enfim) para perceber que todos têm um lugar para engrandecer a música como um património.
P-Portanto pretende criar novas parcerias?
R- Exatamente. Com todos. Não pode ficar um de fora. E todos têm lugar, ou seja, não há ninguém que faça o mesmo que o outro faz. Portanto, temos pessoas com valências diferenciadas, que não competem entre si, a não ser pela qualidade. Todas elas querem ter mais qualidade e isso acho muito bem, mas não competem do ponto de vista do lugar que ocupam na sociedade. E a única que tem um alvará para o ensino da música calha a ser esta. O conservatório e o orfeão. Portanto se ela tem o alvará que a distingue das outras por lei, tem obrigação de ser competitiva a essa nível. Para mim essa é a segunda maior [dificuldade]. Ser capaz de acabar com essas rivalidades mas afirmando-se pela positiva. Não é contra ninguém, é a favor da qualidade do conservatório.
P- Considera então organizar algum tipo de aula ou atividade que pudesse encaminhar os alunos para o coro ou a banda filarmónica?
R- Por exemplo, sim. Eu percebi que o orfeão existe mas, por exemplo, não há aula de canto. Era importante. Eu conheço pessoas que acham que cantam mais ou menos mas pagariam para se afinar, se aperfeiçoar. Isso é perfeitamente passível de fazer, sem meter [as pessoas] diretamente no coro. Portanto a formação musical para mim é como a formação na literatura e no desporto, são competências que qualquer cidadão tem para melhorar a vida. Nem que não seja campeão olímpico, nem que não vá às olimpíadas de música…mas pode ser um bom músico, ter um bom ouvido, educar os filhos na música. Estamos a criar público para o próprio conservatório. A situação financeira naturalmente anda atrás disso. Neste momento está mal. Eu tenho uma dívida que ainda não sei bem de quanto é, porque as contas foram apresentadas até dezembro do ano passado – o que quer dizer que já passou meio ano – e se for em caminho descendente pode ser muito mais não é? Portanto nós agora é que vamos tomar o pulso a isso, mas não vai ser a parte financeira que nos vai preocupar. Temos que a resolver, mas queremos resolvê-la com as pessoas que estão, sem deixar de pagar a ninguém e arranjar novas receitas.
P-Qual era o valor da dívida em dezembro?
R-Apresentado como o valor dívida mesmo, anda na casa dos 40 mil, mas [o valor] real, poderá vir a ser de 140 [mil euros]. Estes valores ainda não estão claros, só agora é que estamos a perceber…havia uma dívidas, umas contas caucionadas…não sabemos se já estão pagas se não estão. Temos agora junto dos bancos de perceber a real situação financeira. Uma coisa é o balanço, outra coisa é a demonstração de resultados económicos. Ainda vou ter de apurar isso. Mas pode andar entre os 40 e os 150 mil euros, grosso modo. Vai depender disso também a forma como vamos avançar.
P-Tendo em conta que está a entrar após uma década de liderança de Barata Gomes…
R-Mais de uma década. São quase duas.
P-exato…pretende assumir uma abordagem diferente, e desmarcar-se do antigo líder?
R-A questão não é desmarcar, é pôr aquilo direito [risos]. Eu não aceito que uma casa com aquele potencial se deixe cair por inação. Ou seja, eu acho que o professor Barata Gomes chegou a uma altura e desistiu porque não conseguia, não sentia forças para continuar, depois de anos a batalhar. A liderança que eu me vou demarcar – disse-o na tomada de posse, junto dos associados – não é da pessoa em si, mas da forma de estar. Eu vou querer, dando rumo ao barco, que a parte financeira que está a atrapalhar se vá diluindo com o tempo. Não é para resolver [logo], não sou rico, não vou lá meter dinheiro meu. Vou é tentar mobilizar recursos que até agora não foram mobilizados por ausência de projeto. Dentro de um mês, mês e meio estará pronto um plano estratégico, para depois mobilizar recursos. Vamos aos mecenas, vamos a empresas e vamos às câmaras, e vamos a todo o lado buscar apoios para conseguir credibilizar o trabalho que nós vamos fazer. Essa energia o Dr. Barata Gomes já não tinha, foi desistindo, e eu acredito que tenha sido pela exigência e pelo cansaço. Portanto não é tanto [que me queira] distinguir da pessoa, mas sim das dinâmicas. [Nas eleiçoes] apareceram 61 dos 83 sócios para votar. Portanto há apenas 83 sócios com as contas pagas, numa casa que tem mais de 400 associados. Isso demonstra que a dinâmica tem sido de perda.
Sofia Craveiro
Perfil de Pedro Guedes de Carvalho
Idade: 68 anos
Naturalidade: Ramalde (Porto)
Currículo: Foi diretor do Centro de Formação de professores da Covilhã nos anos 90.
Doutorado em economia pela Universidade da Beira Interior onde exerceu a docência realizou investigação. Transitou para o departamento de Ciências do Desporto da UBI, ocupando o lugar de presidente do departamento entre 2006 e 2009. Foi presidente do departamento de ciências sociais e humanas da mesma universidade de 2009 a 2017 (dois mandatos), data em que se aposentou.
Hobbies: Cinema, música e literatura.
Livro: “O que faz correr Sammy?” de Budd Sculberg
Filme: “Cinema Paraíso” de Giuseppe Tornatore