P – Como chegou a padrinho das Cavacas de Pinhel?
R – Foi com muita satisfação porque é uma descoberta que fiz graças ao Luís Caetano e sou fã das Cavacas de Pinhel. Quando sou convidado formalmente para ser embaixador já o era espontaneamente, pois já pedia à Dona São para me enviar algumas cavacas para dar a amigos e família. Tive o privilégio de vir conhecer a Dona São há dois anos e ela deixou-me participar na confeção das Cavacas – eu polvilhei o açúcar por cima. O interior do país é algo que os próprios portugueses não conhecem e é uma pena, tem paisagens, tem uma ótima gastronomia e se eu pudesse não era só embaixador das Cavacas de Pinhel, era embaixador do interior.
P – O que falta ao interior para colmatar as diferenças que existem com o litoral?
R – Faltam condições para atrair pessoas para a região, para fixá-las. Eu moro em Lisboa, adoro Lisboa, mas estou farto de viver lá, o tempo no interior é vivido de outra forma. Os transportes e a mobilidade são pontos que devem ser mais trabalhados, através das Câmaras Municipais, que devem formar pactos para combater as diferenças que existem e para o Governo dar mais atenção ao interior. Há um problema de mobilidade, há autoestradas, mas descuraram completamente a ferrovia que está muito atrasada. O problema da mobilidade e da oferta são essenciais. Os portugueses têm muito jeito para se queixar, mas muito pouco jeito para se organizarem e resolverem os problemas, muito por impotência, muitas vezes protestam e ninguém lhes liga e desistem. É preciso organizarem-se e o papel dos municípios em Portugal é importante, deixando de lado algum egoísmo, porque temos um país riquíssimo, fantástico, com paisagens e gastronomia fantásticos e os portugueses não o conhecem. O problema é que o interior tem muita dificuldade em organizar-se por núcleos de interesse e núcleos geográficos.
P – Tem em mente algum trabalho cinematográfico nesta região?
R – No cinema, um filme é uma coisa que leva dois anos a conceber. Já estou com 82 anos, não posso fazer planos muito avançados, mas estou sempre aberto a boas ideias. Costumo dizer que num filme as duas coisas mais importantes são ter dinheiro e uma boa ideia. Obviamente que há dezenas de histórias e romances na região que estão datados para fazer alguma coisa. Mas os custos são altíssimos para trabalhar fora de Lisboa e há muito pouco dinheiro para fazer filmes, fazem-se muitos poucos filmes, é o Estado que decide quem filma e quem não filma, uma aberração só comparável com a Coreia do Norte. No entanto, há um potencial de histórias que me possam interessar, como sobre as províncias, as invasões francesas, a emigração… E isso implica duas coisas: uma que alguém me proponha uma história e, segundo, que eu venha filmar e tenha apoio porque a deslocação de uma equipa de 40 pessoas onera o filme. Devia haver várias regiões com “film commission”, para atraírem os cineastas a filmar no interior, dando condições e facilidades, como apoio logístico e financiamento, podendo até utilizar pessoas da região nos filmes. Falta essa iniciativa, mas esta não pode partir sempre do poder central. É preciso que as pessoas se organizem através das Câmaras Municipais para haver capacidade de criar sinergias para atrair pessoas, realizadores e investidores.
P – O que o faz vir de Lisboa para o interior?
R – A noção do tempo. Em Lisboa, eu trabalho todo o dia, chego a casa e o dia rendeu muito pouco, aqui é diferente. O silêncio da noite, a proximidade das pessoas, são coisas que me marcam. Em Lisboa, as pessoas não têm tempo nem oportunidade para ser simpáticas, é tudo muito prático, não há aquela abertura, aquele calor. A poluição, o ambiente e o clima são outros fatores, pois mal saio da capital fico logo com apetite que não tenho em Lisboa. Na província, em parte pelo atraso, mas aí bem-dito atraso, há uma gastronomia local riquíssima, com uma cozinha tradicional que serve os produtos da terra e foi cultivando a tradição. Tenho descoberto coisas extraordinárias no interior, como as Cavacas de Pinhel. Eu próprio estou a pensar sair de Lisboa para um sítio que não fique muito longe, devido à minha profissão, porque há coisas que só Lisboa oferece. Estou a procurar uma terra no interior que tenha as vantagens do interior e que não esteja demasiado longe da capital. Isso é um prazer enorme que tenho cada vez que saio de Lisboa.
P – Como vê o país atualmente?
R – Antes de ver o país vejo o mundo. Os países têm uma margem de tomada de decisões bastante reduzida. Estamos num mundo global, a pandemia provou isso e é cada vez mais difícil fazer políticas regionais, só temos fronteira com Espanha, do outro lado é mar, que já nos abriu horizontes, mas também nos limita. Em Portugal, o que nos falta é algum consenso entre os partidos, que deve ser o papel de um Presidente da República, em relação a áreas fundamentais. É preciso criar consensos nalgumas políticas básicas como a educação, a saúde e o ambiente que o outro partido que chegue ao poder não venha destruir. Também temos de perceber que tivemos de recuperar o tempo perdido na ditadura e os mais jovens não percebem isso. Estivemos parados no tempo 48 anos, com uma ditadura feroz que castrou a iniciativa de gerações e gerações. Apesar de tudo, há muita coisa a criticar, mas também temos de ser tolerantes com o atraso que nos abalou. Eu próprio estou desagradado, a política está desacreditada, a democracia começa a estar desacreditada, a justiça assusta-me e não é credível. As entidades reguladoras são um desastre, o escrutínio público da ação dos governos é muito débil, há muita coisa para fazer, mas temos de ter consciência que é no mundo global e que Portugal está dependente do que se passar nesse mundo.