O INTERIOR republica a última entrevista de Bruno Navarro a este semanário, publicada a 12 de junho de 2020, em homenagem ao presidente da Fundação Côa Parque, falecido no sábado. O INTERIOR endereça à família do malogrado presidente da Côa Parque, bem como aos funcionários e colaboradores do Museu do Côa e do Parque Arqueológico do Vale do Côa, as mais sentidas condolências.
P – O Museu do Côa vai fazer 10 anos. Em que consiste o programa comemorativo?
R – Vamos começar a cumprir o nosso programa de exposições temporárias e que este ano são muito interessantes porque reforçam a imagem do Côa e da Fundação Côa Parque em contacto permanente com as instituições culturais de referência do país para trazer a Vila Nova de Foz Côa o que de melhor se faz na arte contemporânea. No sábado inaugurámos uma exposição de António Faria com o Museu Nacional de Arte Contemporânea, que é comissariada pela sua diretora, e outra de Sobral Centeno em parceria com a Fundação do Museu do Douro. É uma forma de cimentarmos uma ligação institucional que se vem criando nos últimos anos. No que diz respeito à restante programação, vamos ter outras exposições e uma parceria com a Direção Regional de Cultura do Alentejo para uma retrospetiva de José Cutileiro, um dos últimos grandes escultores portugueses. Acolheremos também a Bienal de Gravura do Douro.
P – É a aposta para o pós-pandemia no Museu do Côa?
R – Exatamente. Tínhamos um conjunto de eventos musicais dirigidos a um público mais massificado mas que decidimos cancelar porque não é possível fazer eventos dessa dimensão, mas também porque percebemos que, atendendo ao período problemático que os agentes culturais estão a passar, devíamos fazer uma readaptação dessa estratégia e portanto o que vamos fazer é contratar um conjunto de performances teatrais e musicais com o objetivo de surpreender os visitantes do Museu do Côa. Serão artistas que vamos contratar exclusivamente no Norte e Centro do país, até porque é uma forma de promover o seu trabalho neste momento tão delicado da sua atividade.
P – Em janeiro e fevereiro, o Museu do Côa duplicou o número de visitantes em relação ao período homólogo do ano anterior. Ou seja, se não houvesse pandemia este teria sido um grande ano para o Museu.
R – Absolutamente. Todos os indicadores apontavam para que houvesse um “boom” muito significativo este ano em termos de visitantes. Temos mais um núcleo importante de gravuras no Fariseu e no próximo ano teremos outro decorrente da abertura dos Passadiços do Côa. Vamos também dinamizar de forma muito significativa as visitas ao sítio da Faia a partir de Cidadelhe, no concelho de Pinhel. Em parceria com a Câmara de Pinhel, estamos a tratar da reabilitação do espaço interpretativo da arte rupestre existente no centro da aldeia. Isso será anunciado ainda este ano. O nosso objetivo é a diversificação da oferta e o aumento da procura, até porque, dos grandes operadores de cruzeiros no Douro, temos contratado mais dois. Mas, como as operações estão paradas, isto não vai acontecer este ano, a esperança é que venha a acontecer no futuro.
P – No total, quantos visitantes recebeu o Museu do Côa em 2019?
R – No ano passado o Museu do Côa e o Parque Arqueológico do Vale do Côa receberam 52.936 visitantes. Se contabilizarmos as exposições, eventos e atividades educativas organizadas no resto do país e noutros países (Coreia do Sul, França, Rússia, Azerbaijão e Croácia), podemos dizer que estiveram em contacto com o património cultural do Vale do Côa um total de 156.037 visitantes.
P – Como está financeiramente a fundação?
R – A Fundação tem uma situação financeira equilibrada, apesar de termos feito investimentos muito significativos nos últimos anos, nomeadamente no âmbito de projetos candidatados a fundos estruturais. Fechámos o ano sem qualquer dívida e conseguimos obter 359.868,21 euros de receitas, resultado que pode ser comparado com os 192.477,35 de 2016, o ano anterior à nossa entrada em funções.
P – Quais os novos projetos que irão permitir a sustentabilidade do Museu e da fundação?
R – Nos últimos anos temos feito um esforço muito significativo para diversificarmos as fontes de receita. Além da participação das entidades financiadoras (DGPC, Turismo de Portugal, Agência Portuguesa do Ambiente e Câmara de Vila Nova de Foz Côa), apostámos muito na divulgação do património e do território e no investimento em novas linhas próprias de merchandising que justificam claramente a subida nas receitas próprias. Temos conseguido concretizar também uma política de mecenato cultural, captando o apoio financeiro de alguns dos mais emblemáticos produtores vitivinícolas da região do Douro, mas também com empresas de referência nas respetivas áreas, tanto no plano regional, como nacional, nomeadamente a Finiclasse, a Lusitânia Seguros e a Altice. Por fim, temos sido bem sucedidos nos concursos competitivos a fundos estruturais (Programa Valorizar do Turismo de Portugal, Programa Interreg VA España-Portugal (POCTEP), Fundo EEA Grants, Norte2020 e Sistema de Apoio à Transformação Digital da Administração Pública – SAMA2020).
P – E qual o impacto do novo núcleo descoberto no Vale do Côa?
R – As novas descobertas arqueológicas vêm demonstrar que a atividade científica nesta instituição está bem viva. A nossa equipa, liderada por Thierry Aubry, o responsável técnico-científico da Fundação, tem mantido um plano de trabalhos regulares muito intenso, nomeadamente no âmbito de projetos aprovados e financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) ou pelo POCTEP (em cooperação com a Junta de Castilla y León). Em breve terão início sete novos projetos de investigação financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito do Vale do Côa International Research Awards, que trarão equipas de investigação de várias instituições científicas nacionais e contarão ainda com a colaboração de instituições científicas internacionais. No total, serão dois milhões de euros aplicados à investigação interdisciplinar e multidisciplinar que, nos próximos quatro anos, reforçarão a presença do Vale do Côa nas redes de produção de conhecimento científico e isso terá, indubitavelmente, consequências muito positivas para o território. Referindo-me concretamente às novas gravuras descobertas no núcleo do Fariseu – sobretudo o grande auroque –, ela permitiu-nos ajustar em moldes bem mais vantajosos um dos programas de visita ao território em que apostámos muito recentemente: as visitas em caiaque no rio Côa. Um modelo de visitação que permite uma experiência imersiva na Natureza, seja pela fruição daquele canal fluvial, seja pela valorização de novas gravuras e de toda a paisagem e biodiversidade que ali coexiste, seja, por fim, pela oportunidade de dar a conhecer o que de melhor se produz nesta região, a partir das nossas propostas de menus de degustação, à beira-rio. As visitas de caiaque serão, assim, a única forma que os visitantes terão de conhecer o núcleo de arte rupestre do Fariseu.
Perfil de Bruno J. Navarro:
Presidente da Fundação Côa Parque
Idade: 42 anos (à data da entrevista)
Naturalidade: Coimbra
Profissão: Historiador/ Professor do ensino superior
Currículo: Doutorado em História, Filosofia e Património da Ciência e da Tecnologia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa; mestre em História Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, licenciado em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; autor de vários estudos publicados em monografias, dicionários e revistas especializadas; professor no Instituto Superior de Ciências Educativas (ISCE), integrando ainda o corpo docente de cursos pós-graduados da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
Hobbies: Cinema, literatura