P – Gosta de estar escondido ao lado da Sé, o que mudou na sua vida desde a mudança do centro da praça para aqui?
R – Agora que vejo menos as moças, fica mais difícil escrever cantigas de amigo.
P – Está arrependido de fundar a Guarda?
R – Claro que não. Mas sabe que me sugeriram que terminasse a cantiga de amigo com os versos “muito se demora / o meu amigo lá fora” ou “nunca mais vem / o meu amigo do Cacém”.
P – Se voltássemos atrás voltaria a atribuir o foral à Guarda?
R – Acho que sim. Um foral ou um folar.
P – O que é que esta cidade tem de tão especial para si?
R – Às vezes, muito me tardava eu aqui. E a Ribeirinha à minha espera.
P – Como vê a falta de jovens por terras guardenses?
R – É perigoso. Se Castela nos invade outra vez, não há rapazes para a guerra, nem moças para eu cuidar.
P – O Sr. que foi o rei povoador, qual é a receita para repovoar os agora chamados territórios de baixa densidade?
R – Eu tive filhos com a Dulce, com a Maria Aires, com a Ribeirinha e com a Maria Moniz. Vós, com as modernices da monogamia, não ides longe.
P – Já reuniu com Sérgio Costa?
R – Não, sabe que esta gente nova gosta de fazer tudo à sua maneira. Já nem o meu Afonso fez nada do que eu pedi.
P – E os outros presidentes, reuniam consigo?
R – Era mais pedir conselhos sobre o comércio e a indústria. E eu falava de batalhas nos campos, eles falavam de guerras nos partidos.
P – O que pensa de terem dado o seu nome a um bolo doce que sabe a queijo?
R – Acho bem. Sempre gostei de misturar diferentes sabores no palato.
P – Como tem sido a sua relação com o cú da Guarda virado para Espanha, que está localizado aqui mesmo atrás de si?
R – Uma pessoa, só por ser poeta, fica logo com essa fama.
P – Tem saudades dos tempos em que faziam aqui o Madeiro de Natal no centro da praça?
R – Tenho saudades é de quando se arreava.
P – Gostava de ter uma vista diferente relativamente a esta praça e este centro histórico?
R – O que eu gostava de ver eram belas moças para lhes cantar poemas e brutos mouros para lhes arrear a espada.
P – Os turistas tiram fotos consigo, que histórias costuma ouvir?
R – No meu tempo, as pessoas que vinham de fora eram cruzados ou peregrinos.
P – De vez em quando há umas animações aqui na Praça Velha, diverte-se?
R – Eu divertia-me a dar porrada aos sarracenos. Agora, parece que não se pode.
P – Gosta de receber os caloiros todas as quartas-feiras?
R – Parecem uns saltimbancos judeus disfarçados de bobos.
P – O que acha do photopoint tem-lhe retirado protagonismo?
R – O meu pai também me fazia isso, com a mania de ser o primeiro rei.
P – Já pensou em ligar para a PSP quando vê aqui os carros estacionados?
R – Apetece-me é saltar lá para baixo e fazer aos carros o que fazia aos mouros.
P – O covid deixou-o mais sozinho?
R – Já estou habituado. Se não é uma pandemia, é a família que emigra para a Bélgica.
P – Por último, que mensagem deixa aos guardenses por ocasião deste aniversário da cidade?
R – Refundai-vos.
Entrevista realizada por
Nuno Amaral Jerónimo
* Publicada na Edição 1139 de 24 de novembro de 2021