Cara a Cara

“Publicar por publicar, sem que o que produzimos influencie a sociedade, não é aceitável”

Jaquim
Escrito por Efigénia Marques

P – De que trata o livro “Contos da Flor e do Fruto”, que vai editar e apresentar na BMEL esta quinta-feira? Qual é o fio condutor dos 33 contos escolhidos?
R – São contos do quotidiano, de pessoas do nosso meio, nos seus conflitos, nos seus meandros pessoais, nos seus enigmas de vida. São retratos de pessoas em luta contra si próprias à procura de uma saída ou à espera de um encontro que as salve ou lhes vire a agulha. São também histórias da Guarda ou das aldeias que conheço, sobretudo daquela em que nasci, com uns pozinhos das minhas memórias de infância. Porque se escreve com mais propriedade do que se conhece.

P – O que o motivou a aventurar-se na ficção?
R – O gosto pela escrita, em primeiro lugar, o gosto pela experimentação e o desafio da emulação com os que são bons a escrever. Na verdade, na minha vida profissional e pessoal, escrevi em géneros diversos, mas nunca tinha publicado livros de ficção. E são os géneros narrativos os mais desafiantes em termos de influenciarmos os outros. Atingir o outro falando-lhe sobre si próprio através de histórias alheias sempre foi um desígnio humano. Contar histórias é a arte maior.

P – Este é também o seu primeiro livro. Porquê só agora?
R – A pergunta supõe que um escritor de 65 anos já devia ter muita obra produzida. Eu escrevi em 2003 um livrinho na coleção “Fio da Memória”, da Câmara da Guarda, sobre “Os enchidos da Castanheira” no âmbito do primeiro Festival dos Enchidos da Castanheira. Depois coordenei a obra “Esc. Sec. Afonso de Albuquerque – 50 anos na Mata Municipal” em 2020. Desde o fim dos anos 80 colaboro com crónicas nos jornais e rádios locais e fui escrevendo continuamente para o jornal/ blogue da minha Escola desde 1992. Praticamente nunca parei de escrever, mas em pequenos textos. Abalançar-me a 200 páginas é agora outro horizonte. À beira da reforma, deu-me para isto.

P – É um desafio que vai repetir? Tem mais livros na calha?
R – Para já quero desembaraçar-me deste livro, porque é o que cada escritor quer: livrar-se de um para poder nascer outro. Não ando a escrever nada mas tenho umas ideias que qualquer dia apuram e se poderão transformar em alguma coisa de palpável. Primeiro gera-se uma forma a partir de uma sementinha, depois cresce e apura-se, depois depura-se. Mas sinceramente não pretendo fazer vida de escritor. E não tenho planos concretos nem datas para próximas produções.

P – Crónica ou ficção, onde está mais à vontade?
R – A crónica, em que me envolvi durante muitos anos, permitiu-me intervir na comunidade, coisa que sempre valorizei, até porque o meu temperamento nunca foi de grande intervenção oral no espaço da discussão e do debate público. A escrita foi por isso um bom veículo para mim. E libertou-me.
Quanto à ficção, não se escreve de igual maneira aos 30-40 ou aos 60 anos. Aquilo que se tem a mais na segurança da linguagem perdeu-se (irremediavelmente?) no plano da imaginação. É aí que o esforço é maior. É aí que temos de perguntar a nós próprios se essa qualquer coisa que queremos publicar é realmente significativa. Cada um de nós escreve para certo tipo de público, escolhendo o que espera dele. Publicar por publicar, sem que o que produzimos influencie a sociedade, não é aceitável, impondo-se fazer pensar, comovendo ou agitando.

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JOAQUIM MARTINS IGREJA

Autor do livro “Contos da Flor e do Fruto”

Idade: 65 anos

Naturalidade: Castanheira (Guarda)

Profissão: Professor Ensino Secundário

Currículo (resumido): Professor desde 1979; Coordenador Cultural do INATEL-Guarda entre 1997 e 2012; Coordenador do projeto de jornalismo escolar “Expressão” desde 1992

Livro preferido: (vou indicar 5, um é pouco): “Baudolino” (Umberto Eco), “A máquina de fazer espanhóis” (Valter Hugo Mãe), “Bandeira Preta” (Branquinho da Fonseca), “Os Maias” (Eça de Queirós), “O Tempo das Ilusões Perdidas” (Alain Fournier)

Filme preferido: “Django libertado”, de Quentin Tarentino

Hobbies: Viajar, correr, ler

Sobre o autor

Efigénia Marques

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