Cara a Cara

«Os jovens que regressam sentem que têm a responsabilidade de investir e compensar as suas regiões de origem»

Cei
Escrito por Efigénia Marques
P – É assim tão frequente ver os jovens regressarem às suas terras de origem depois de se formarem? R – Este projeto, que está ainda numa fase inicial, indica que há uma percentagem que regressa. Vamos agora estudar em maior profundidade as suas motivações. Um estudo anterior, do qual nasceu este projeto, já demonstrou que uma parte significativa de jovens que ainda estão no ensino secundário, quando inquiridos sobre o seu desejo de regressar após formação no ensino superior, quer regressar. Eles sentem que querem investir nas suas regiões de origem e que têm essa responsabilidade, como se fosse o “payback”. Eles reconhecem que as regiões, nomeadamente as autarquias, as escolas, investem muito nos seus percursos educativos para o sucesso, promovendo a igualdade de oportunidades para poderem ser estudantes do ensino superior. No fundo, sentem a necessidade de regressar para compensar as suas comunidades por esse investimento e contribuir também para o desenvolvimento das suas regiões. P – Que razões encontraram para estes jovens querem regressar? R – Uma motivação fundamental tem a ver com a parte afetiva, com o sentimento de pertença às suas regiões, à sua terra natal. Os jovens têm hoje poucos limites geográficos, mas a pertença à sua terra de origem é muito forte e por vários motivos. Um deles é que os jovens não perdem ligações com a sua região, muitos dos que estou a seguir há cerca de 10 anos, numa região em particular, voltam ao fim de semana dos locais onde estão a estudar. Além disso, continuam envolvidos em diferentes iniciativas e coletividades locais, o que mostra que quanto mais ligações são mantidas e cultivadas mais o sentimento de pertença é forte, e maior é a probabilidade de eles quererem manter o desejo de regressar. A componente emotiva, que muitos autores chamam de «geografia emocional» parece ser um fator com bastante peso para este regresso. P – Já a componente económica não é assim tão evidente quanto se poderia pensar? R – Sim. Os estudos mais qualitativos, de proximidade, permitem-nos perceber que não é pelo facto dos jovens não terem projetos de futuro, não terem emprego, nos sítios para onde foram estudar que vão regressar. Aliás, muitos dos casos que já biografamos mostram que eles têm emprego e que trabalharam em vários sítios antes de decidirem voltar às suas regiões de origem. Ou seja, não regressam porque falharam ou apenas por questões sócio económicas. Há outros fatores que este estudo pretende precisamente escavar um bocadinho mais em profundidade para perceber. Já sabemos alguns, como os de ordem mais afetiva, emocional, o sentimento de pertença. Outro fator é que estes jovens parecem valorizar determinados valores que atribuem estas regiões, como a qualidade de vida, o bem-estar, a segurança ou a proximidade e não só questões económicas. Temos que começar a perceber que é nisto que pensam estas gerações quando ponderam vir para o interior e que, se calhar, políticas de desenvolvimento do interior têm que pegar nestes novos indicadores. P – Neste estudo conseguiram saber quantos alunos manifestaram a vontade de sair num determinado ano e depois verificar quantos regressaram? R – O que fizemos foi inquirir um grupo de quatro mil jovens. Sabíamos para onde queriam ir no ensino superior e depois fizemos um bocadinho de “follow up” com os nossos dados e com as estatísticas do ensino superior e o que verificamos é que, apesar de muitos irem para o litoral, houve uma parte substantiva que acabou por ficar em instituições de ensino superior das regiões do interior. No entanto, não sabemos se foi por não terem notas, não terem condições sócio-económicas para pagar estadias e viagens nas instituições do litoral. O estudo de “follow up” que fiz com cerca de 20 jovens de uma aldeia da zona Norte, na fronteira com Espanha, que sigo há 10 anos, revelou que mais de 50 por cento dos que estudaram fora regressaram. E agora com este prémio do CEI vamos tentar saber junto de quem regressou quais as motivações. Já sei de algumas, como querer constituir família, viver num sítio mais calmo. Aspetos que na altura, em 2011, não eram assim tão evidentes quando eu comecei a seguir este grupo. A maior parte destas pessoas está empregada e está muito ligada ao turismo e à agricultura, tendo mobilizado conhecimentos que adquiriram no ensino superior para fortalecer os pequenos negócios que estão a desenvolver. Ao contrário daquilo que a narrativa mais dominante diz, estas gerações não negam as suas origens, herança cultural e tradições, o que está a acontecer é que as gerações mais velhas estão a depositar nas mãos destes jovens a continuidade destas práticas. P – O objetivo final deste grande estudo vai ser contribuir para alterar políticas a nível nacional? R – O que os investigadores costumam fazer é um conjunto de recomendações para quem toma decisões. No projeto anterior uma das coisas que tentamos fazer foi a disseminação dos resultados nas regiões onde recolhemos os dados para ouvirmos o “feedback”. Portugal tem muitos níveis de governação, das comunidades intermunicipais às autarquias, às Juntas de Freguesia, passando pelas CCDR, portanto chegar a alguns destes níveis intermédios é importante, até por questões da distribuição de financiamento que é feita a nível regional. E depois tentar que ministérios e secretarias de Estado relacionadas com estas áreas também possam receber essas recomendações. Na minha perspetiva, acho que o melhor é estarmos diretamente em contacto com os locais. Às vezes são pequenos passos, porque a mudança das políticas é sempre muito cíclica. Não nos podemos lembrar só do interior de vez em quando, isto exige políticas de fundo, estruturais e de continuidade. O interior tem a sua própria identidade, não é apenas um sítio onde vamos passar uns dias para descansar. Há aqui pessoas a morar sempre e são elas que fazem com que estes territórios não desapareçam. O litoral precisa do interior. Durante a pandemia, o interior é que era bom para morar, mas não é só em alturas disruptivas que o interior está cá. Há pessoas que estão aqui a morar, que trabalham aqui, crescem aqui e que, se calhar, não querem sair daqui e outras que querem vir para cá, mas que precisam de condições mínimas de dignidade para aqui fazerem as suas vidas. Por isso, o Estado tem a responsabilidade política de garantir que serviços públicos mínimos da área da saúde e da educação são os mais fundamentais para nós vivermos no interior. _____________________________________________________________________

SOFIA MARQUES DA SILVA

Autora do trabalho de investigação “Jovens que regressam: motivações para voltar e investir as suas vidas em regiões de baixa densidade após formação no Ensino Superior”, vencedor dos Prémios CEI-IIT 2021, atribuído pelo Centro de Estudos Ibéricos Naturalidade:Viseu Profissão: Docente e investigadora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto Currículo: Professora associada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto; membro efetivo do Centro de Investigação e de Intervenção Educativas; Coordenadora do projeto “GROW.UP–Grow up in border regions in Portugal: young people, educational pathways and agendas” (Compete 2020/FCT); Editora da revistas “Ethnography & Education” e “Educação, Sociedade e Culturas”; Perita da rede NESET II (Social dimension of Education and Training) e da EACEA (Education, Audiovisual and Culture Executive Agency); Vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação.

Sobre o autor

Efigénia Marques

Leave a Reply