P – Quais considera serem as maiores dificuldades na realização do festival TeatroAgosto, no Fundão?
R – A maior dificuldade não se relaciona com nenhuma questão financeira, logística ou similares, mas antes prende-se com a obtenção de conhecimentos mais profundos de marketing cultural, dinâmicas de públicos e comunicação do evento. O TeatroAgosto tem bastante sucesso, mas acredito que pode ainda evoluir nessa vertente. Somos muito bons profissionais em todos os aspetos, mas a nossa formação é artística, não de comunicação, pelo que podemos trabalhar mais a área de divulgação, de forma a evoluir e envolver ainda mais a comunidade no festival.
P – Esta dificuldade tem afetado o crescimento do evento?
R – O festival tem uma grande afluência de público, sempre com lotação esgotada. Se o seu formato não cresce mais é porque isso já requeria um investimento diferente, não está relacionado com a vertente de comunicação. Este ano houve de facto investimento, que foi canalizado para uma vertente distinta: a feira ibérica. A cultura é, no entanto, subvalorizada a nível nacional. A percentagem do Orçamento de Estado destinada à cultura não atinge sequer 0,01 por cento, o que é grave. Há uma ideia retrógrada de que a cultura só serve para gastar dinheiro, mas – e cito a frase de uma livraria francesa do século XXVIII – «se pensa que a cultura é cara, experimente a ignorância».
P – Após 15 anos de TeatroAgosto, quais as novidades deste ano?
R- Essa pergunta é de resposta complexa, pois, devido ao facto deste ano ter sido realizada a Feira Ibérica (em junho), quisemos reservar o espaço do festival propriamente dito para algo mais particular, de forma a não perdermos o público que nos é fiel nesta altura do ano. Assim, o que há diferente é uma programação muito local. Não é uma edição de destaque, mas é uma edição afetiva, que terá – além das companhias espanholas – os espetáculos da ESTE como oferta, que permitem dizer às pessoas que vamos permanecer com elas. Ao avançarmos com a realização da Feira Ibérica – devido a várias condicionantes – fomos um pouco “empurrados” pela programação de Espanha para realizar o evento em junho. Com isto apercebemo-nos que o mês de agosto ficaria “órfão” de uma atividade que se realizou de forma intensa durante 15 anos. Não quisemos por isso que este espaço deixasse de ser preenchido e, por esse motivo, faremos este ano um pequeno compasso de espera. Isto significa que, embora não seja de forma alguma um festival mais pequeno em qualidade, será menor em quantidade, o que permite destacar a proximidade e qualidade do afeto. Quando me refiro ao afeto falo, por exemplo, do facto dos nossos espetáculos serem pensados de forma personalizada e adaptada a cada momento, nunca são apenas repetidos. Apesar de haver uma estrutura fixa, temos sempre em consideração o espaço em que estamos, quantos espetadores vamos ter, em que altura do dia vai ser… Enfim, são várias modificações, que fazemos de forma a estabelecer a maior relação possível com o público.
P-Sendo a ESTE uma companhia de teatro sediada numa região do interior, como avalia o consumo de cultura nesta região? Acha que é afetado pela desertificação, como são outros setores?
R-Tendo em conta que existem dois espaços importantes a nível cultural na região – na Guarda e Castelo Branco – que possuem boas dinâmicas de programação, assim como acontece aqui no Fundão, penso que a situação da cultura na região não é tão desfavorável quanto se pensa. No caso da nossa companhia de teatro, temos uma média de 80 espetadores por espetáculo, o que é muito bom, até quando comparado com peças em cena em Lisboa.
Não tenho conhecimentos para falar do ponto de vista sociológico, mas na minha opinião pessoal, apesar de todos os desafios que se impôem a esta região, não considero que o panorama seja assim tão negativo quanto poderia ser dado o contexto. Penso que há Câmaras que têm belíssimas dinâmicas culturais, quando comparadas com os recursos de que dispôem.
Perfil de Nuno Pino Custódio:
Diretor Artístico do festival TeatroAgosto
Idade: 50 anos
Naturalidade: Lisboa (reside no Fundão desde 2006)
Profissão: Encenador e Diretor Artístico da Estação Teatral da Beira Interior (ESTE), da qual foi fundador, e do evento TeatroAgosto
Currículo: Investigador, encenador, diretor artístico e professor. Na sua vasta carreira (que conta com 30 de experiência como encenador) destacam-se colaborações com o Teatro Meridional o Teatro O Bando, a Companhia do Chapitô, O Teatrão, FC – Produções Teatrais/Casa da Comédia, Teatro Oficina, além do trabalho desenvolvido na ESTE. É também investigador de uma metodologia de interpretação intitulada “Máscara”, sendo uma referência no campo da formação de actores em Portugal. Colaborou com diversas entidades como a Faculdade de Letras de Lisboa, a Universidade de Évora, ESEC, Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, Escola Superior de Tecnologias e Artes de Lisboa, Circolando, Teatro Meridional, Teatro O Bando ou FIAR. O seu trabalho já foi mostrado em Espanha, Alemanha, Bélgica, Noruega, Cabo Verde, Moçambique e Brasil.
Livro preferido: Não consegue eleger um
Filme preferido: Não consegue eleger um
Hobbies: Cozinhar, ler, andar de bicleta, jogar Playstation