Cara a Cara

«O primeiro objetivo do projeto da Quinta do Saião foi voltar a dar um caráter àquele espaço»

Arquiteta
Escrito por Efigénia Marques
P – Que projeto é este concretizado na Quinta do Saião e que lhe valeu o Prémio de Arquitetura do Douro? R – É uma quinta vinhateira com 80 hectares com uma frente de rio muito extensa. Tinha um centro agrícola numa parte elevada do terreno, muito degradado e em ruínas, e uma pequena adega, à cota baixa, também ela em ruínas. No fundo, este projeto consistiu em reconstituir a chamada Quinta do Saião, que é um espaço agrícola muito antigo, que já aparece nas cartas de Barão de Forrester. O primeiro objetivo do projeto foi voltar a dar um caráter àquele espaço, reconstituindo um pouco a temática da quinta, que, no fundo, é constituída pela casa principal e edifícios destinados à exploração agrícola, uma casa das ovelhas, um lagar de azeite, um forno e mais uma série de edifícios. O projeto consistiu em reconstituir o “asset” agrícola da casa principal, que era muito desproporcionada, muito feia, com novas geometrias, e praticamente todos os restantes edifícios, dando-lhe uma nova configuração. E depois dar-lhes uma expressão contemporânea, fazer a arquitetura afirmar-se através do detalhe arquitetónico, da espacialidade interior dos edifícios, utilizando muito do xisto que existia nas encostas, mas também incorporando partes das ruínas. Portanto, a ideia foi manter alguma coisa do que era a memória daquele local e construir uma arquitetura contemporânea que se afirmasse enquanto tal. Por vontade do proprietário e do enólogo, a adega, um pequeno edifício à cota baixa, foi integralmente demolida e reconstruída como adega biológica, mantendo a configuração da ruína e utilizando o xisto existente. Fizemos uma estrutura de madeira que tem um passadiço suspenso central e esse elemento resolve toda a operação da vindima dentro de paredes, desde o lagar até ao armazenamento nos balseiros. No fundo, este projeto vai tentar dar valor e tornar relevante tudo aquilo que é introduzido no local. As estruturas em madeira, os pormenores de caixilharia, as peças de mobiliário, tudo aparece com grande protagonismo no espaço, que é muito contínuo, muito contemporâneo, é tudo branco, chão e paredes. E esses pequenos elementos, estas peças que são introduzidas estrategicamente nos edifícios, aparecem com grande protagonismo na arquitetura dos edifícios. P – Qual foi a inspiração para chegar ao projeto final, uma vez que poderia ter pegado no que já havia e feito uma coisa completamente diferente e de raiz? R – De facto, como os edifícios estavam em ruínas podíamos ter feito um edifício de raiz ou poderíamos ter reconstituído aquelas formas que praticamente já não tinham legibilidade, mas essa não foi uma estratégia minha. Pelo contrário, a minha preocupação foi incorporar as partes dos edifícios que lá estavam porque isso dava sentido ao projeto e, por outro lado, valorizava os próprios edifícios porque tudo aparece de algum modo, rochas escavadas, muros corroídos, muito da parte da pré-existência, digamos assim, aparece no resultado final da obra nova. Pareceu-me muito mais interessante reconstruir aquele promontório, aquele “asset” agrícola, com partes dos edifícios que lá existiam. Foi tudo aglutinado na nova construção e seguimos um pouco a estratégia de utilizar os arquétipos que existem na construção rural ou vernacular do Douro Superior, que são edifícios com volumetrias muito simples, de duas águas ou com uma só, com coberturas pouco inclinadas. E depois tentamos introduzir novos materiais, por exemplo, o granito nas coberturas, que são feitas com lamelas ou com lajes de granito branco para fazer ressaltar os volumes na paisagem, uma vez que o xisto é um material que se dilui porque tem muitas matizes e as formas ficam diluídas na paisagem. O granito branco foi ali um elemento importante porque permitiu, por um lado, dar uma expressão mais contemporânea à arquitetura, mas também por fazer evidenciar as formas arquitetónicas que existem no local. P – Qual é o “feedback” que têm recebido deste projeto? R – Isso tem que perguntar mais ao dono da obra, que está construída há três anos. O cliente usa muito a Quinta de Saião como elemento representativo e emblemático das marcas que produz e representa. Daí aqueles espaços terem grande volumetria interior, grande porte, muito amplos e que causam algum impacto. Julgo que o proprietário tem também muitos clientes estrangeiros e que têm apreciado muito, pelo menos o “feedback” que tenho recebido é que acaba por ser uma obra com bastante universalidade. Toda a gente gosta e se impressiona com o resultado final que ali foi conseguido. P – E quanto ao Prémio Arquitetura do Douro, como foi receber esta distinção? R – Foi muito bom. Foi um orgulho para mim, é um prémio bastante importante porque os anteriores premiados e as obras galardoadas são de muita qualidade, com imensos impactos arquitetónicos e são muito variadas. Os autores são muito importantes, também são arquitetos muito reconhecidos. Portanto, para mim foi muito prestigiante e foi gratificante porque foi um reconhecimento de um trabalho muito cuidado. P – Alguma vez pensou que o projeto da Quinta do Saião teria este sucesso? R – Faço arquitetura sempre com a máxima perfeição, com grande dedicação e, portanto, não penso em mais nada senão na qualidade do trabalho. Neste caso, talvez não pensasse nisso pelo caráter da obra, por serem reconstruções, por não ser, se calhar, uma obra que tem tanto impacto como as que ganharam edições anteriores. Mas isso satisfaz-me porque acho que é importante a arquitetura não ter que estar condicionada a essas questões, de ser obra nova ou de ser obra de grande dimensão, portanto, fiquei contente também por isso. ___________________________________________________________________ PAULA SOUSA PINHEIRO Vencedora do Prémio de Arquitetura do Douro 2022 Idade: 56anos Naturalidade:Porto Profissão: Arquiteta Currículo: Licenciada pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto; Estagiou em Nápoles (Itália) com o arquiteto Francisco Benetti; Tem gabinete próprio há mais de 20 anos; Fez projetos de turismo, habitação, mas tem tido sobretudo bastantes obras de reabilitação Livro preferido: “Imaginar a Evidência”, de Álvaro Siza Filme preferido: “Morte em Veneza”, de Luchino Visconti Hobbies: Viajar, caminhar, desporto

Sobre o autor

Efigénia Marques

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