Cara a Cara

«O Estado demonstra uma vontade enorme para fazer, mas depois não faz. É mesmo muito preguiçoso»

Dsc 0586
Escrito por Efigénia Marques
P – Qual é o objetivo desta visita à área ardida da Serra da Estrela? R – Ainda não fui a todo o lado, mas já estive em Celorico da Beira e em Gouveia e na Guarda, na zona mítica da Quinta da Taberna, porque é mesmo no terreno que percebemos o que é preciso fazer. Quis também deixar o meu reconhecimento aos autarcas cujo sofrimento vimos na televisão. Isto é de facto verdadeiramente impressionante depois de ter visto o quanto a serra “chorou” – e nós chorámos. Agora não basta apenas secar as lágrimas. Vi o responsável do Geopark declarar que se ardesse um património edificado da UNESCO ou da Humanidade – o Mosteiro dos Jerónimos foi o exemplo que deu – o país mobilizava-se, e bem, perante o que seria uma grande desgraça. Por isso quero juntar a minha voz, como deputado europeu e homem da serra, para que o país se mobilize por este património natural porque é de facto uma catástrofe muito grande. Na Quinta da Taberna foi devastado um dos maiores parques de azinheiras, que demoram décadas a crescer… Vim também transmitir uma palavra de solidariedade porque não consigo compreender como, no século XXI, se diga a um homem que vive na serra e lhe ardeu um tubo que leva a água para casa que não o pode repor porque é paisagem protegida. Também não consigo conceber que não se deixem entrar máquinas de rasto porque se podem danificar habitats…. P – Mas o que vai fazer no Parlamento Europeu relativamente a estes incêndios e aos prejuízos causados? R – Não vale a pena estarmos encantados com palavras de que a serra, daqui por umas décadas, pode ficar melhor do que estava. Oxalá que sim, mas isso não é assunto. O Estado demonstra uma vontade enorme para fazer, mas depois não faz. Somos assim, o Estado português é mesmo muito preguiçoso. Há anos que falamos de descentralização e aqui está uma matéria em que acredito mais na eficácia dos autarcas para ganharmos tempo na recuperação de coisas que, ou se fazem nos próximos tempos, ou são irrecuperáveis. Como todos sabem, o Parlamento Europeu (PE) não tem poder legislativo direto, como acontece no parlamento nacional. Quem me dera chegar a Bruxelas e fazer um projeto de diploma para o Parque Natural da Serra da Estrela, obviamente que o faria na hora para obter estes apoios, mas não é assim. O PE tem é o poder de persuasão e de propor, ou de perguntar, enfim de ser chato na verdadeira aceção da palavra, Eu vou ser o chato maior, vou incomodar até ao meu limite, desde logo entregando esta terça-feira uma pergunta à Comissão Europeia sobre se tenciona declarar a situação catastrófica nos diversos territórios europeus afetados pelos incêndios e se, em caso afirmativo, equaciona lançar alguma Iniciativa Específica com carater de urgência para apoio a essas regiões e, numa perspetiva de médio e longo prazo, uma Estratégia Comum a nível europeu para os fogos florestais e seca. P – E qual é o objetivo dessa iniciativa? R – É dar uma ajuda ao Governo português, que vai ter que exercer a sua magistratura de influência para se socorrer do fundo de solidariedade europeia. A questão é se este fundo só pode ser acionado a partir de uma determinada dimensão, então que haja um caráter de excecionalidade. Isto porque as populações do PNSE querem é que sejamos todos eficazes e tão rápidos quanto possível. Se é do dinheiro de Bruxelas ou do dinheiro de Lisboa, para os homens e mulheres da Serra da Estrela é absolutamente indiferente, o que está em causa é um património da UNESCO, que não é edificado, mas natural. Outro objetivo é associar-me aos autarcas e dizer ao Governo português que seja célere e eficaz neste tipo de ações. Temos que ser agora muito pragmáticos. Se estivermos à espera que o Estado faça vamos demorar o dobro do tempo a recuperar isto. Se a serra ficar melhor daqui por 50 anos então vamos demorar 100, por isso há algumas situações que vale a pena arriscar, ganhar tempo, e cá estarei para aquilo em que puder ser útil. P – Disse que o Estado é «preguiçoso». O presidente da Câmara da Guarda já tinha dito não esperar que o Estado não cometa duas vezes o mesmo erro, aludindo ao que se passou em Pedrógão Grande… esta desconfiança volta ao de cima? R – É porque já sofremos isso “na carne”, conhecemos a realidade… Nenhum de nós está a criticar diretamente o ministro A ou o secretário de Estado B, é o Estado no seu todo… A história diz-nos isso, que não aprendemos com catástrofes idênticas, com os erros que se cometeram ou com aquilo que se devia ter feito e não se fez no tempo certo. É um alerta. Mais, o Estado central não tem capacidade, mesmo que tenha vontade, para fazer nem um terço ou um quinto daquilo que, com os mesmos recursos financeiros, o poder local tem. Por isso deixem-se desta relação de desconfiança e acreditem que os autarcas farão muito mais depressa e melhor com os recursos da administração central. Se eu esperasse pelo Estado no caso do risco de derrocadas na estrada da Vela, aquando dos incêndios de 2017, só deus sabe o que poderia ter acontecido, mas a Câmara da Guarda conseguiu e mobilizou recursos para resolver o problema. P – Foi presidente de Câmara, os autarcas da região estiveram à altura dos acontecimentos? R – Desenganem-se os políticos se pensam que por haver tragédias destas vão fazer aproveitamentos políticos, ninguém ganha um voto por causa disto. Acho absolutamente incrível que ainda haja muita gente que pense que quando os autarcas aparecem na comunicação social é para criticar. Nunca vi críticas nessas palavras, era o grito do desespero. Não é isto que um autarca tem que fazer? Não está a criticar o Governo, está apenas a dizer que o Estado não está a cumprir o seu papel. Muito Governo tem vindo à região ultimamente, e bem, mas não veio ao terreno. Por isso, na próxima visita tragam-no a ver as devastações porque não há ninguém que fique indiferente ao olhar para isto, que não foi resultado do “maldito eucalipto”. Também é preciso averiguar o que se passou, o porquê deste fogo ter atingido esta dimensão – ouvi coisas que me deixam os cabelos em pé… Até lá, do ponto de vista turístico é muito importante continuarmos a promover a serra e não ficar a chorar sobre o leite derramado. Não somos homens para isso, mas precisamos da solidariedade de todos, da eficácia, e também que acreditem mais nos autarcas do que em muitas entidades que fazem a gestão deste espaço. Eu quero muito ajudar a limpar as lágrimas de tanto quanto a serra chorou e eu também chorei. _______________________________________________________________________

ÁLAVARO DOS SANTOS AMARO

Deputado do Parlamento Europeu Idade: 69 anos Naturalidade:Gouveia Profissão:Economista Currículo: Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra; Técnico superior da então Comissão de Planeamento da Região Centro; Chefe de gabinete do ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares de 1985 a 1987; Secretário de Estado da Agricultura de 1987 a 1995; Liderou a Distrital do PSD da Guarda de 1994 a 1998; Deputado na Assembleia da República pelos círculos de Coimbra e Guarda; Presidenta da Câmara de Gouveia de 2001 a 2013; Presidente da Câmara da Guarda de setembro de 2013 a junho de 2019 Livro preferido: “As vinhas da ira”, de John Steinbeck Filme preferido:“A Lista de Schindler”, de Steven Spielberg Hobbies: Caça, natureza e passear com os netos

Sobre o autor

Efigénia Marques

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