Cara a Cara

«O desenvolvimento sustentável da região da Serra da Estrela está nos seus recursos endógenos»

Escrito por Jornal O Interior

P – Em que consiste o “Pacto Ecológico Europeu – Contributos de Portugal para um Mundo Sustentável”?

R- É um estudo científico, uma tese de mestrado em Sistemas Integrados de Gestão (Ambiente, Qualidade, Segurança e Responsabilidade Social) que, apesar de ter sido elaborada em 2014 e defendida em 2015, se adapta de forma inequívoca às novas realidades às quais vamos tendo de nos adaptar neste momento tão atípico e inarrável que vivemos com a crise das alterações climáticas e a epidemia da Covid-19, o novo Corona vírus, nome que lhe advém da forma de coroa. Curiosamente, no centro do estudo está aquilo a que chamei “a Joia da Coroa”, no seu pico máximo: a Serra da Estrela. O estudo (disponível aqui), que parte da execução do projeto ao qual me dedico desde 2002 na Câmara da Guarda (Quinta Pedagógica da Maúnça), balizado cientificamente com a defesa e agora com a sua aplicabilidade, centra o desenvolvimento sustentável da região da Serra da Estrela nos seus recursos endógenos, únicos no mundo, e numa metodologia muito simples que centraliza a responsabilidade da tomada de decisões numa única pessoa, para quem é canalizada toda a informação sintetizada por uma equipa pluridisciplinar. A principal conclusão é que esse desenvolvimento é facilmente alcançável através dos funcionários públicos das diversas instituições, pois têm as ferramentas, a formação e o conhecimento territorial e demográfico da região. A metodologia é facilmente replicável e é a “receita” de que a Europa precisa de liderar para se unir e reconstruir em torno de um desígnio comum: tornar o mundo um lugar mais seguro, mais verde, mais limpo.

P – O estudo está agora publicado online confia que poderá ser analisado ou mesmo utilizado, nomeadamente, pelas entidades públicas da região?

R – O estudo permitirá a sua replicação no mundo inteiro: no último repositório online onde o coloquei teve, em poucos meses, quase um milhar de “downloads”. A verdade é que há muitas instituições públicas da região a tentar colocá-lo em prática, algumas delas antes mesmo da tese ter sido defendida. No entanto, ter a “receita” não é atributo suficiente para obter bom resultado no preparado final: é necessário conhecer bem o significado de sustentabilidade, onde quatro conceitos se complementam: ambiente, sociedade, economia e comunicação. Além disso, no centro da equação estão as pessoas, não o capitalismo… Por isso diria que o estudo tem um fundo ideológico mais “à esquerda”. Seria de todo incompatível que um partido de extrema (direita ou esquerda) o conseguisse implementar… Mas posso dizer que é implementável por um líder de esquerda com a mentalidade suficientemente “aberta” e boa capacidade comunicacional (bilateral)… depende muito das pessoas. Tem de se ter um “fundo” profundamente humanista e a capacidade de aceitar as opiniões técnicas para se poder implementar. Já está a ser implementado nos “quatro” cantos do mundo, em diversas instituições nacionais e internacionais (ONG, económicas, religiosas e políticas) e os depoimentos recolhidos e compilados no prefácio da obra são a maior prova da sua aplicabilidade: deixou de ser um mero estudo académico para ser um instrumento prático de trabalho.

P – Diga uma medida que poderia ser concretizada no distrito da Guarda e quais os benefícios?

R – O maior benefício seria, por si só, ser um distrito sustentável, onde houvesse criação de emprego, inclusivamente para que os mais novos não fossem obrigados a procurá-lo pelo mundo; onde a saúde e a educação fossem de excecional qualidade, onde a comunicação fosse bilateral (de outra forma não é comunicação), entre os diversos pares e a comunidade, tudo isto “coroado” com uma natureza que é já reconhecidamente Património da Humanidade, o Geopark Estrela… A criação de uma marca de produtos desta região, já assumida pela CIMBSE, é um passo decisivo para a sua implementação, mas é importante que se tenha a perceção de que importa criar “volume”, qualidade e canais de produção, transformação e armazenamento e que nenhum produtor pode ser deixado para trás. A criação de uma plataforma logística para canalização dos produtos para os comércios interno e externo são essenciais. A afirmação da Guarda como “Capital da Saúde”, num conceito holístico de bem-estar e “ausência de doença”, é, no meu entender, o fator mais decisivo para o desenvolvimento de toda a região.

P – Quais são as principais ameaças à sustentabilidade da região?

R – A poluição, a falta de articulação entre as instituições e a falta de respeito por quem dá a cara pelos projetos e os implementa.

P – Sustentabilidade e desertificação são conceitos antagónicos ou coincidentes?

R – Não há sustentabilidade num deserto… A pergunta tem a ver com a dicotomia existente entre a sustentabilidade e a densidade populacional e o consequente despovoamento do interior. Uma grande cidade como Lisboa pode ser sustentável? Pode, se cada bairro/ freguesia tiver esse desígnio é uma questão de somar as partes num todo. Numa realidade como a nossa (e da maior parte do país), de cidades de média dimensão, é fácil mudar o paradigma.

P – Até que ponto o distrito da Guarda, ou a região, poderá ser considerado uma grande reserva natural?

R – O distrito da Guarda tem, na Serra da Estrela, a sua “Joia da Coroa”, assim queiram os líderes dos concelhos que constituem a CIMBSE torná-lo uma realidade.

P – Quais serão os impactos ambientais e as mudanças que podem ocorrer no pós-pandemia Covid-19 na região?

R – Esta pandemia veio tornar óbvio aquilo que alguns de nós, mais atentos às questões ambientais já temíamos: é urgente mudar atitudes e cada vez mais urgente eliminar focos de poluição onde impera o capitalismo das grandes indústrias; promover a produção local e o consumo local; criar redes, incentivar a cidadania que se pretende ativa, participada, protagonista, como diria Carlos Zorrinho. Se o mundo nada aprender com esta pandemia e não aproveitar para “consertar” a humanidade, começando dentro da sua própria casa, milhares terão morrido em vão nesta “guerra” contra um inimigo comum e perigosamente invisível. Não posso deixar passar esta oportunidade de agradecer aos meus mentores: o Prof. Dr. Amândio Baía, que coordenou o estudo; e o Prof. Dr. Carlos Zorrinho, que o supervisionou. Sem a sua mentoria teria sido impossível “arrepiar caminho”.

Perfil de Ludovina Margarido:

Autora da tese de mestrado “Sustentabilidade dos Territórios de Interior – Guarda, um estudo de Caso”

Naturalidade: Angola

Idade: 52 anos

Profissão: Técnica Municipal

Currículo (resumido): Docente, escritora, investigadora, Mestre em SIG, empresária do setor agroalimentar

Livro preferido: “O Líder sem título”, de Robin Sharma, “Portugal sem medo”, de Carlos Zorrinho e 6 x Alpha de Jorge Margarido

Filme preferido: “Segurança Nacional”

Hobbies: Leitura, escrita, hortofloricultura, bricolagem

Sobre o autor

Jornal O Interior

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