Cara a Cara

«Houve menos fogos porque a área ardida nos anos anteriores teve uma dimensão significativa»

Escrito por Jornal O Interior

P – Este ano houve menos incêndios na região e menos graves. A que se deve esta situação?
R – Houve menos fogos e não atingiram as proporções dos grandes incêndios porque a área ardida nos anos anteriores tem uma dimensão significativa. Isto permite a supressão dos mesmos quando atingem as zonas que arderam nos últimos cinco anos, onde a vegetação é mais reduzida. Este é que é o fator determinante que explica a menor área ardida. Não tem nada a ver com o dispositivo de combate ser consideravelmente maior e muito menos com a sua eficácia.

P – Acha que é fruto de uma mudança de comportamentos da população ou mais das imposições das autoridades quando emitem alertas?
R – A existência de menos ignições tem alguma explicação nas campanhas de informação. As campanhas de informação que levam à diminuição das ignições são positivas, no entanto só por esta via não é possível caminhar para uma solução sustentável. Senão vejamos: 98 por cento das ignições são responsáveis por 10 por cento da área ardida. Por aqui não havia problema se a área ardida fosse apenas de 10 por cento. O problema está nas outras ignições de apenas 2 por cento que são responsáveis por 90 por cento da área ardida. Ardem em Portugal cerca de 200 mil hectares anuais. No entanto alguns poucos incêndios são responsáveis por grande parte dessa área ardida. Só no incêndio de Pedrógão arderam 50 mil hectares. Este facto remete para a verdadeira solução do problema. Ou seja, o sistema de combate é eficaz em 98 por cento dos casos, mas é um desastre quando o sistema não controla o incêndio em cerca de uma hora após a ignição, com fogos que duram uma semana. O que demonstra que a solução do problema não está no combate, mas na prevenção.

P – A política florestal também mudou entretanto, ou não?
R – Todas as alterações que se fizeram no âmbito da recente política florestal não conduzem a qualquer solução do problema, como por exemplo a legislação que proíbe a plantação de eucaliptos. Também prefiro as plantas autóctones, no entanto é preferível os eucaliptos ao mato. Um incêndio em mato é sempre um incêndio de copas com maior libertação de calor e dióxido de carbono para a atmosfera do que, em regra, os incêndios em eucaliptal.
O aparecimento da AGIF – Agência Integrada Fogos Rurais criou alguma expectativa que se gorou em grande parte. Passado este tempo todo não se vê nada relativamente ao princípio da integração da prevenção e do combate, defendido pela Agência. Considero positivos os apoios aos pastores para pastorearem a área da rede primária. É muito pouco para que os resultados preventivos sejam significativos!

P – Passada a época de incêndios, o que é preciso fazer agora na floresta para reduzir o risco de incêndio no próximo ano?
R – Para se encontrar uma solução para o problema devemos considerar os seguintes dados: Em 1910, considerando a área não urbana, apenas 10 por cento era ocupada com floresta, sendo a área de incultos nesse período bastante reduzida. Atualmente temos 30 por cento de área agrícola, 30 por cento de área florestal e 30 por cento de incultos, ou seja, a área não agrícola avançou consideravelmente. Entendo que Portugal não deve ter mais de 30 por cento de área florestal. Assim a área de incultos deve voltar ao aproveitamento pastoril que teve até à década de 50. O problema da área rural é o facto de termos excesso de mato, combustível com demasiada continuidade. Só voltando à pastorícia é que criaremos zonas de descontinuidade com dimensão significativa que permita controlar os incêndios. Para a instalação dos pastores são precisos apoios muito significativos que terão de ir de 750 a 1.000 euros mensais, a cada pastor que tenha 200 cabras em 200 hectares. O rendimento das cabras seria afetado aos proprietários como compensação pela cedência dos terrenos. É uma medida que nos permitiria voltar a uma paisagem bastante semelhante à que tivemos até á década de 50. Pelo menos na fase inicial é preciso criar equipas de sapadores florestais bombeiros, devidamente equipadas – não confundir com sapadores florestais. Aquelas usariam o fogo controlado de Inverno, seguindo-se a instalação de pastagem natural para as cabras. Assim, só com uma parceria entre o Estado, os pastores e os proprietários é que é possível que o problema dos incêndios florestais seja sustentável.

P – Num cenário de alterações climáticas, acha que a região está preparada para os efeitos dessas mudanças na floresta?
R – É de prever que as alterações climáticas significam na prática temperaturas mais elevadas, menos humidade e maior velocidade do vento. Este facto vai criar condições para que no futuro seja cada vez mais complicado controlar os incêndios. Só grandes zonas de descontinuidade de mato, combustível, permitirão uma solução minimamente eficaz. Ou seja, dos 90 por cento da área não urbana apenas 30 por cento deve estar ocupada com floresta. Uma floresta de produção com pinheiro bravo e eucalipto, mas também uma floresta de espécies autóctones que permitam preservar a biodiversidade.

Perfil de Joaquim Marques Morais:

Naturalidade: João Antão (Guarda)

Idade: 64 anos

Profissão: Engenheiro agrónomo e professor do ensino agrícola

Currículo: Curso de Engenheiro Agrónomo; professor no ensino agrícola; projetista de obras de engenharia agrícola; projetista agrícola e florestal

Filme preferido: “As vinhas da Ira”, de John Ford

Livro preferido: “Quando os Lobos Uivam”, de Aquilino Ribeiro

Hobbies: Produção de cerveja artesanal e hidromel.

Sobre o autor

Jornal O Interior

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