P – Esteve preso durante o Estado Novo por oposição ao Governo de Salazar. Quais os motivos que levaram à sua detenção?
R – Despertei para a luta antifascista em 1958, com a vinda do General Humberto Delgado à Covilhã. A partir daí comecei a compreender realmente a importância da luta pela liberdade e por melhores condições de trabalho e de vida, o que me fez concretizar ações contrárias ao regime. Associei-me ao Partido Comunista Português e comecei a reunir-me com outros que defendiam as mesmas causas. Defendíamos o direito à greve, a comemoração de feriados como o 5 de Outubro e o 1º de Maio, distribuíamos panfletos informativos da chamada “imprensa clandestina”, etc… Devido a isso comecei a estar sob a vigilância da PIDE e estive preso diversas vezes. A primeira foi em 1959, tinha 18 anos. Fiquei encarcerado 13 meses, tendo passado pelos calabouços de Coimbra e pelos fortes de Peniche e Caxias. Depois fui preso já quando era militar, em 1963, o que levou a que passasse um ano na Companhia Disciplinar, em Penamacor, e quatro meses no Forte de Elvas. Em 1967 fui novamente preso pela atividade de divulgação de informação ilícita, na imprensa clandestina, e estive nos calabouços da PIDE na Guarda.
P – Quais as maiores adversidades que enfrentou durante o tempo em que esteve preso?
R – A tortura, sem dúvida. A PIDE era uma polícia enformada por políticas fascistas. Era uma força repressiva muito bem organizada. Dentro da prisão éramos fortemente torturados para que déssemos informações acerca de outros que lutavam pela liberdade. Havia uma forte pressão psicológica e física para nos levar a falar sobre o queriam. No meu caso, sofri muito com a tortura da estátua, que consiste na privação do sono. Estive quase sete dias sem dormir, apenas com descansos momentâneos que eram constantemente interrompidos. Queriam que eu denunciasse o meu colaborador, alguém que comigo defendia as causas da liberdade, mas nunca o fiz. Estar preso naquelas circunstâncias era terrível. Hoje existem advogados e procedimentos legais que protegem os direitos dos reclusos. Podem fazer-se telefonemas, existem espaços de recreio e de lazer dentro das prisões. Naquela altura não existia nada disso. Estar preso pela PIDE era estarmos completamente à mercê do nosso destino, com uma forte possibilidade de podermos vir a ser mortos pelos agentes. Tinha muito medo.
P – Como viveu o 25 de Abril? Quais as mudanças mais imediatas que sentiu?
R – O mais imediato foi o destituir da Câmara Municipal, logo no dia seguinte à revolução. Finalmente era possível ter autarcas escolhidos pelo povo e não nomeados pelo Governo. Foi fantástico o facto de as pessoas terem finalmente o direito de se organizarem, formarem partidos e lutarem pelos seus direitos, e via-se um grande interesse em ser um cidadão ativo nesse sentido. A mudança mais visível foi nas pessoas. Todas estavam fartas de estar caladas, e todas queriam ter uma participação ativa em associações e na vida política, pois finalmente podiam expressar os seus ideais. As primeiras eleições tiveram uma enorme afluência. Depois foram acontecendo mais mudanças. Acabou a guerra colonial e a vida foi-se restabelecendo lentamente. Abriram-se escolas, criou-se o Sistema Nacional de Saúde, enfim, foi-se construindo a evolução.
P – Tendo vivido uma época de repressão, qual a sua opinião relativamente à liberdade atual? O que pensa acerca da democracia que vivemos e da forma como usamos a liberdade que temos para nos expressar?
R – É muito difícil fazer comparações objectivas, pois os tempos são muito diferentes. A vida hoje é muito melhor, e talvez por isso grande parte da população esteja acomodada. Os jovens, que não viveram a repressão, não sabem o valor da liberdade. Têm de compreender a importância de participar ativamente na vida em sociedade. Parece-me que hoje existe um desinteresse generalizado. As pessoas entusiasmam-se rapidamente, mas apenas com coisas triviais e deixam que os outros decidam as suas vidas, ao invés de lutarem por elas. Além disso, a corrupção é generalizada, há muito compadrio. Hoje não há causas, há interesses. Tenho esperança que um dia as pessoas mudem de ideias e passem a exigir aos políticos eleitos que façam aquilo que é a sua função: servir o povo e não servir-se do povo.
Perfil de José António Pinho:
Preso político da PIDE durante o regime do Estado Novo e autor do livro “A Estátua”, obra sobre a tortura da polícia política
Naturalidade: Melo (Gouveia)
Idade: 80 anos
Profissão: Empresário
Currículo: Foi candidato do MDP-CDE à Assembleia da República pelo círculo de Castelo Branco nas “pseudoeleições” de 1969; militante do PCP entre 1958 e 1982; Presidente e dirigente do Grupo Campos Melo, Clube Nacional de Montanhismo, Clube Desportivo da Covilhã e Sporting Clube da Covilhã; Membro da direção da Rádio Clube da Covilhã e empresário na área dos combustíveis na Covilhã. Atualmente possui o restaurante “Repleto de Magia”, na mesma cidade.
Filme preferido: “Doutor Jivago”, de David Lean
Livro preferido: “A Lã e a Neve”, de Ferreira de Castro
Hobbies: Cultivar a horta e dançar