Cara a Cara

«É preciso mais consciência regional cosmopolita»

Escrito por Jornal O Interior

P- A Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior (FAL-UBI), à qual preside, está prestes a comemorar 20 anos. Quais foram os maiores desafios enfrentados neste período? E quais as maiores conquistas?
R- Eu não estou desde 2000, quando a FAL-UBI passou de projeto à realidade. Cheguei em 2002, para o curso de Filosofia, mas diria que o maior desafio da faculdade foi nascer. Numa instituição de ensino superior mais vocacionada para as engenharias, passar a mensagem de que havia necessidade de Artes e Humanidades foi um grande desafio. Depois, crescer de forma harmoniosa e sustentável, em termos de ensino e investigação. Um dos departamentos (Comunicação e Artes) medrou bastante ao longo dos anos, mormente nas Artes (o Cinema e os Designs). A partir de certa altura, o de Letras começou a revelar mais dificuldade de captação de alunos. A adaptação dos cursos ao modelo de Bolonha, em 2006-7, foi outro grande estímulo. Foi preciso repensar e reorganizar currículos e conteúdos. Foi uma fase bastante complexa. Quanto a conquistas: acabámos por criar um Departamento de Artes, fruto da separação natural do Departamentos de Comunicação e Artes. Esta era uma necessidade organizativa, mas também uma determinação estratégica. Mas a maior de todas as conquistas são os alunos que, por terem gostado de aqui estudar, se tornaram embaixadores da nossa casa no país e no estrangeiro, especialmente em África e no Brasil.

P-Quais são as principais metas que gostaria de atingir no futuro, enquanto presidente da FAL-UBI?
R- A FAL-UBI é uma construção coletiva, quotidiana, de professores, alunos e funcionários. Por isso, em primeiro lugar, em termos de pessoas e de cursos, gostaria muito de revitalizar o Departamento de Letras. Gostaria que pensassem numa Unidade de Investigação ou, pelo menos, num polo. É certo que as Letras, (como a Filosofia e as Humanidades) passam hoje por uma profunda crise mundial, mas é por isso que temos de trabalhar mais. Depois quero que a área-âncora nestes anos – a Comunicação – se mantenha estável, forte e competitiva. Gostaria ainda que duas áreas mais recentes, a Cultura e a Ciência Política, cresçam e se afirmem. Finalmente, temos uma grande ambição para a Faculdade: a de ter Artes Plásticas, além do Cinema e dos Designs, e, com o tempo, Música (sonhemos!). Estamos a tratar neste momento de instalações condignas, tendo como aspiração a possibilidade de uma Escola de Artes. Por fim, gostaria muito de oferecer mais estabilidade profissional aos colegas contratados como professores convidados que esperam uma oportunidade para entrar na carreira.

P- A UBI tem sido alvo de diferentes distinções devido a trabalhos de investigação aqui desenvolvidos. Isso é uma mais-valia para atrair mais alunos?
R- Presumo que sim, embora eu não saiba determinar até onde vai o nexo de causa e efeito. Claro que essas distinções tornam a UBI mais conhecida e noticiada, mas algumas destas coisas dizem mais aos “peers” da investigação do que propriamente a futuros alunos. Acho, contudo, que todas as distinções se reforçam no sentido de contribuírem para uma imagem cada vez mais prestigiada e positiva da UBI. Isso atrai, claro!

P- Na sua opinião, qual é o maior obstáculo que se coloca às regiões do interior no que respeita à fixação de alunos/ jovens?
R- É uma pergunta recorrente. Eu, por exemplo, tenho alunos de 3º Ciclo, estrangeiros, que querem casar e ter filhos por aqui, por apreciarem a beleza da região. Mas o maior obstáculo é a falta de oportunidades, de trabalho estável, com remuneração condigna. E políticas de descriminação positiva… É uma grande responsabilidade de todos: instituições de ensino superior, autarquias, empresas… É preciso mais consciência regional cosmopolita. Quem puder compreender o paradoxo, compreenda.

P- Quais as mais valias oferecidas pela FAL-UBI aos alunos que pretendam enveredar por áreas de Artes/Letras?
R- Para lá do ar puro da Serra, do excelente ambiente académico e óptimas condições de estudo, da qualidade e do baixo custo de vida na Covilhã, na FAL um aluno estuda entre os melhores e com os melhores, em regime de grande proximidade com os docentes. Aqui um aluno não é um número: tratamo-nos pelo nome, fomentamos pensamento crítico, liberdade, capacidade de intervenção social, espírito de cidadania, responsabilidade e liderança.

Perfil de José Maria Silva Rosa:

Presidente da Faculdade de Artes e Letras da UBI

Naturalidade: Vila de Rei

Idade: 55

Profissão: Professor universitário

Currículo: Doutorado em Filosofia (2005) na Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, onde foi professor de 1993 a 2002. É desde 2002 docente na UBI, sendo atualmente professor associado na FAL-UBI, da qual também é presidente. Foi diretor da Biblioteca da UBI, de 2003 a 2017, tendo renovado o seu funcionamento interno, impulsionado o Repositório Digital da UBI e a constituição da Rede Intermunicipal das Bibliotecas da Beiras e Serra da Estrela (RIBBSE).

Filme preferido: “Tous les Matins du Monde”, de Alain Corneau

Livro preferido: “Antígona”, de Sófocles, e “A lavoura arcaica”, de Raduan Nassar. (E todo o Dante, Gil Vicente, Cervantes, Shakespeare, Nietzsche, Dostoievski, Fernando Pessoa, Jorge Amado, João Guimarães Rosa – e toda a Sophia de Mello Breyner!)

Hobbies: Passeios ao ar livre, na Serra; viajar; ler boa literatura; ouvir a música de Jordi Saval.

Sobre o autor

Jornal O Interior

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