Cara a Cara

«Continuamos a apostar no “básico”, que passa pela higiene e alimentação dos idosos, esquecendo que o ser humano é muito mais do que isso»

Cara
Escrito por Efigénia Marques
P – Qual é o objetivo deste segundo ciclo de conferências “Envelhecer Bem”? R – O objetivo é oferecer às pessoas de mais idade do distrito da Guarda uma velhice com mais dignidade e acompanhamento nos seus domicílios. E para que tal possa acontecer é muito importante chamarmos a atenção para as lacunas existentes no sistema, que, sem intenção, nos continua a colocar um rótulo de validade. Queremos também sensibilizar a comunidade para a necessidade de um trabalho em rede que possa agregar várias sinergias de diferentes áreas do conhecimento para a construção de um apoio efetivo, recordando-nos a todos o poder que cada um tem no seu processo de envelhecimento. P – Como se pode retardar a institucionalização dos idosos? R – A institucionalização pode ser ou não retardada, consoante as escolhas de cada um no seu processo de envelhecimento. Existem imensos exemplos mundiais em que os idosos em situação autónoma decidem a institucionalização porque também aí pode haver qualidade de vida. Infelizmente não é uma situação geral em Portugal. Assim sendo, na maioria dos casos deseja-se retardar a institucionalização promovendo a sua inclusão social através de respostas sociais adequadas às especificidades de cada um. Cada pessoa é única, tem os seus valores, gostos, história, as suas dores e os seus tempos, merecendo ter um acompanhamento à medida das suas regras, decisões e interesses, priorizando sempre um tempo de bem-estar e de afeto. P – Há condições para isso no distrito da Guarda, que é o segundo, a nível nacional, com mais idosos a viver sozinhos e/ou isolados? R – Ainda não, mas podem criar-se mais condições dando apoio e oportunidades a quem, como a “Rugas de Sorrisos”, anda de terra em terra e de casa em casa, numa resposta que complementa as respostas sociais tradicionais (centros de dia e serviço de apoio ao domicilio), interessando-se e empoderando as suas competências para que possam continuar a desfrutar da vida na sua casa com mais independência, autonomia e qualidade. P – Acha que, em Portugal, se tem abdicado de “envelhecer bem” e apostado em demasia nos lares? R – Sim. Continuamos a apostar no “básico”, que passa pela higiene e alimentação, esquecendo que o ser humano é muito mais do que isso. Criamos uma resposta em que a pessoa tem de se encaixar, muitas das vezes contra a sua vontade, e esquecemo-nos de que cada caso é um caso e que, por vezes, se houvesse um acompanhamento adequado ao domicílio, que permitisse estimular e apoiar nas pequenas limitações que possam haver no seu dia a dia, mantendo as relações de vizinhança e comunidade, isso bastaria para manter ou aumentar a sua independência e qualidade de vida. Com esta retaguarda, pode-se evitar a institucionalização muitas vezes precoce e contra a vontade. P – Defende a criação, por exemplo, de uma figura similar à do cuidador informal para prestar apoio à população sénior que tem condições para ficar na sua casa? R – Sim. Cada vez é mais importante fazê-lo. Basta pensarmos no tipo de resposta que gostaríamos de ter um dia. E a resposta não diverge. Todos gostaríamos de ter um serviço personalizado que fosse de encontro à nossa história, à nossa dignidade e às nossas necessidades. O cuidador informal deverá ser alguém formado para ter essas competências e que tenha uma avaliação permanente, em termos empáticos e de confiança com o idoso. P – Quantas pessoas apoia atualmente a “Rugas de Sorriso” e quais são as principais dificuldades que enfrenta? R – A “Rugas de Sorrisos” apoia 30 pessoas idosas no registo de inclusão social, serviço prestado gratuitamente e referenciado pela GNR, entre os concelhos de Trancoso e Guarda, e duas no registo de apoio ao cuidador, serviço pago e solicitado pela família, no concelho da Guarda. As principais dificuldades são financeiras e estão relacionadas com o veículo, os quilómetros, o equipamento adaptado a cada idoso e a manutenção dos recursos humanos necessários. _________________________________________________________________________

HELENA SARAIVA

Coordenadora da “Rugas de Sorriso” – Associação de Apoio Social Idade: 43 anos Naturalidade: São Pedro (Trancoso) Profissão: Coordenadora na Rugas de Sorrisos – Associação de Apoio Social Currículo (resumido):Fundadora, presidente e coordenadora da “Rugas de Sorrisos”, dedica-se à terceira idade, tentando criar uma resposta domiciliar que se adapte à individualidade de cada um; Autora de três livros – “t’ENTAS?”, “Coisas da Cabeça ou Falta Dela” e “Aos Olhos de Todos e de Ninguém”, publicados com a Editora 5 Livros Livro preferido: “Lá, onde o vento chora”, de Delia Owens Filme preferido: A série coreana “Navillera”, que retrata a mudança radical que a vida de um senhor de 70 anos sofre ao ser-lhe diagnosticada a doença de Alzheimer e que é a prova de que o amor é o maior pilar em qualquer situação. Hobbies: Escrita, leitura, cinema e desporto.

Sobre o autor

Efigénia Marques

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