Cara a Cara

«As soluções para o interior passam pela melhoria das condições de mobilidade»

Escrito por Jornal O Interior

Henrique Oliveira de Azevedo

P – Criou uma aplicação que permite à população denunciar situações e problemas no seu meio urbano. Como surgiu esta ideia de criar uma plataforma de participação pública?
R – Já me interesso por participação pública e mobilidade urbana desde 2012. Vendo tantos problemas nos passeios, que dificultam o livre caminhar das pessoas, procurei uma ferramenta que pudesse facilitar a comunicação dos cidadãos com as autoridades e ao mesmo tempo promover uma interação entre pessoas preocupadas com a resolução destes problemas. Existem alguns projetos similares, mas, em todas as aplicações disponíveis, algo estava em falta. O participo.eu ainda não está totalmente implementado da forma como se propõe, mas tem o objetivo de cobrir algumas lacunas. A primeira é possibilitar a livre participação, seja a comunicação de um problema, uma crítica, uma proposta ou uma sugestão. Está pensada para ser uma ferramenta de fácil utilização, simples para qualquer pessoa poder utilizar. Pretende-se ainda que tenha um custo reduzido para que qualquer autarquia do interior possa aderir, assim como outras organizações da sociedade, como associações de moradores e grupos políticos que queiram identificar os problemas, mapeá-los e promover discussões para definir conjuntamente quais são as prioridades e como devem ser os encaminhamentos para a busca de solução. É gratuita para o utilizador.

P – Acredita que esta aplicação irá melhorar a comunicação entre população e autarquias?
R – Este é o objetivo. Fiz uma pesquisa com alguns autarcas, em especial presidentes de juntas do interior, e muitos deles criticavam o custo das ferramentas similares, que são desenhadas para municípios maiores, pois disponibilizam uma plataforma de gestão destes problemas identificados pelos utilizadores. Nos pequenos concelhos – e na maioria das freguesias – as ocorrências não são assim tantas e por isso não se justifica a existência de uma plataforma para gestão destes problemas. A proposta que fazemos para superar esse problema é através de uma simples notificação da ocorrência por email. Isto reduz significativamente o custo da solução apresentada, que fica em apenas 10 euros por mês por freguesia. Outra dificuldade encontrada noutras aplicações de participação pública é que elas reservam as informações lançadas, ou seja, só são encaminhadas as sugestões feitas nos limites dos concelhos que têm um protocolo com a aplicação. As restantes (lançadas onde não existe protocolo) ficam perdidas, não sendo encaminhadas para lado nenhum. O participo.eu propõe-se a superar isso com a disponibilização pública de todas as participações submetidas. Assim, mesmo que a autarquia não faça o protocolo, qualquer outra pessoa poderá ver e interagir com a proposta divulgada (gostar, comentar e partilhar). Esta função será implementada em breve. Além dos cidadãos, outras organizações civis poderão tirar proveito da informação, de forma a fazer pressão política para a resolução dos problemas.

P – Qual o impacto que esta ferramenta pode ter em territórios de baixa densidade?
R – As soluções para o interior passam, sem sombra de dúvida, pela melhoria das condições de mobilidade. Seja com a manutenção dos serviços mínimos de proximidade, do comércio, aos transportes que possibilitem o alcance desses mesmos serviços. É preciso criarem-se atrativos e condições de dignidade para que as pessoas se possam manter – ou mesmo optar por viver – no interior. Não há receita pronta para tudo em cada lugar, por isso a busca por soluções endógenas é muito importante e isso só se consegue com a participação pública.

P – Como caracteriza a participação pública na região? É semelhante ao padrão verificado no resto do país?
R – De um modo geral, a participação pública ainda tem muito a ser desenvolvida. Existem algumas autarquias que promovem o Orçamento Participativo, mas, a meu ver, este está muito distante de resolver problemas essenciais. Nesta região em particular não tenho ainda dados que me permitam fazer uma análise, mas acompanho alguns núcleos (como em Aveiro), onde algumas propostas se têm desenvolvido de forma muito interessante, com um bom envolvimento cívico, muito devido ao incentivo da Universidade daquele concelho. De um modo geral, as autarquias estão ainda muito tímidas neste aspeto, não percebem a potencialidade política que está ligada à compreensão mais clara das necessidades das pessoas.

P – A criação de novas ferramentas para envolvimento nos cidadãos nas decisões políticas pode reverter a falta de confiança na política atual?
R – Sem dúvida. Quando as pessoas observarem que as suas necessidades reais são ouvidas pelas autoridades públicas certamente que a confiança aumenta. No aspeto que abordamos – da melhoria do ambiente urbano – considero que muitas vezes passa também por uma falta de sensibilidade das autoridades para os problemas que afligem o dia-a-dia das pessoas. Costumo dizer que da janela dos carros (como muitos autarcas têm o hábito de se deslocar) não se percebem os problemas de quem anda a pé ou que depende dos transportes públicos.

Perfil de Henrique Oliveira de Azevedo:

Criador da aplicação participo.eu

Naturalidade: Salvador da Bahia (Brasil)

Idade: 45 anos

Profissão: Arquiteto/ doutorando em Sociologia na UBI

Currículo: Especialista em urbanismo sustentável e ordenamento do território; Atualmente encontra-se a realizar doutoramento em Sociologia na Universidade da Beira Interior; Pesquisa questões que relacionam a mobilidade, participação pública e o despovoamento do interior

Livro preferido: (não responde)

Filme preferido: (não responde)

Hobbies: (não responde)

Sobre o autor

Jornal O Interior

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