P – Vinte anos depois, o que mudou no Vale do Côa? E o que representa hoje a descoberta das gravuras no Vale do Côa?
R – A descoberta das gravuras rupestres do Vale do Côa e, sobretudo, o reconhecimento nacional e internacional deste que é o mais importante conjunto de figurações paleolíticas de ar livre até hoje conhecido, teve uma repercussão muito significativa na estrutura económica e social da região. Temos hoje um forte movimento turístico, alavancado por este património, que era impensável há vinte anos. Há negócios nas áreas da hotelaria, comércio e operação turística que muito provavelmente não existiriam nesta região se não tivessem sido salvaguardadas as gravuras rupestres do Vale do Côa. Do ponto de vista histórico, a decisão política de preservação do património, em detrimento de um investimento económico na energia hidroelétrica, é ainda hoje apontado como um exemplo que o país deu ao mundo. Por isso mesmo, o novo filme do realizador francês Jean Luc Bouvret tem, muito apropriadamente, o título “A Lição do Côa”. Mas hoje temos os olhos colocados no futuro, porque a história deste projeto tem de continuar a fazer-se.
P – Quais as novidades que a Fundação Côa Parque tem reservadas para 2019?
R. Há vários projetos que contamos iniciar em 2019. Vamos melhorar as condições de acessibilidade do Museu do Côa para incrementar a sua potencialidade turística. Vamos construir o passadiço, em parceria com o município de Vila Nova de Foz Côa; vamos definitivamente abrir a porta Sul do Parque Arqueológico do Vale do Côa, em Cidadelhe, em estreita cooperação com o município de Pinhel; vamos integrar o Museu do Côa na rede de centros Ciência Viva, com uma vocação territorial para envolver outras entidades e equipamentos na região, como a reserva natural da Faia Brava, a Aldeia Histórica de Castelo Rodrigo e a Plataforma Ciência Aberta, de Figueira de Castelo Rodrigo, e as aldeias de Marialva e Longroiva, no concelho de Meda. Vamos dinamizar a investigação científica, valorizando o trabalho que é diariamente feito pelos nossos técnicos, mas abrindo todo o território à comunidade académica, nacional e internacional, nas áreas da arqueologia, biologia, geologia e ambiente. Vamos aprofundar a nossa relação transfronteiriça com a Junta de Castilla y León, com a execução de dois projetos que visam reforçar a notoriedade internacional do património do Vale do Côa e Siega Verde, estimular a cooperação científica e a criação de um plano de gestão de riscos, que nos permita monitorizar o território de uma forma integrada. E vamos continuar a apostar numa programação cultural de referência, articulada com as grandes instituições culturais portuguesas.
P – Com que orçamento conta? É suficiente ou curto para ter um ano tranquilo?
R – O orçamento da Fundação Côa Parque para 2019 foi reforçado, o que é bem revelador da aposta estratégica que o Governo está a fazer neste projeto. Mas não queremos cingir-nos às transferências da administração central. Estamos neste momento a aguardar o resultado de três candidaturas a fundos comunitários. Vamos avançar, já em 2019, com um conjunto de parcerias estratégicas, com empresas privadas, no contexto do mecenato cultural. E queremos continuar a impulsionar a nossa capacidade para gerarmos receitas próprias. Fechamos o ano de 2018 com cerca de 300 mil euros de receitas próprias. Significa que, neste momento, o resultado da nossa operação comercial, de bilheteiras, loja, concessões e consignações, é o segundo maior financiador desta instituição e, sobretudo, que conseguimos em dois anos duplicar as nossas receitas próprias. É um resultado notável. Mas ainda distante do objetivo estratégico que definimos para o nosso mandato que termina em 2022.
P – Terminou o ano de 2018, qual é o balanço em termos de visitantes este ano?
R – Ainda não temos os números finais apurados, mas fecharemos o ano com cerca de cinquenta mil visitantes ao Museu e ao Parque Arqueológico. Seriam mais uns milhares se contabilizássemos as pessoas que visitaram as nossas exposições temporárias que, em 2018, estiveram patentes na Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros, na Alfândega do Porto, no Centro Cultural de Belém, no Museu Municipal de Penafiel e no Museu Arqueológico de Zagreb (Croácia).
P – Recentemente foram descobertas novas gravuras rupestres? O que é que isso pode representar para o Vale do Côa?
R – Significa que o Vale do Côa continua a ser um grande laboratório científico que tem ainda muito por descobrir. Há um trabalho permanente, sistemático e exaustivo de prospeção, levantamento, inventariação e análise crítica que deve continuar a envolver uma comunidade científica cada vez mais alargada. Como se viu nas descobertas mais recentes, até nos sítios mais conhecidos e explorados do Parque Arqueológico é possível serem reveladas mais manifestações artísticas de um arco temporal que compreende os últimos 30 mil anos da Humanidade.
P – O que falta fazer para o Museu do Côa e o Parque Arqueológico terem mais notoriedade em termos nacionais ou mesmo internacionais?
R – O Museu do Côa e o Parque Arqueológico têm de ser mais conhecidos e reconhecidos. Têm de consolidar a sua imagem de instituições de referência e excelência no panorama cultural nacional e internacional. Vamos continuar a reforçar a nossa presença nas principais redes internacionais de Arte Rupestre, como o itinerário cultural do Conselho da Europa, Prehistoric Rock Art Trails e o Ice Age Europe. Em 2019 vamos criar a Rede Nacional de Arte Rupestre, que pretende ser uma plataforma de partilha de conhecimento e experiências, que sirva simultaneamente para delimitar uma rota turística bem estruturada e que consiga ser eficaz do ponto de vista da criação e comunicação do produto. E participaremos ativamente, enquanto membros da comissão de acompanhamento, na Rede do Património Mundial de Portugal. Continuaremos a investir nas exposições fora de portas. No plano nacional contamos levar a arte do Côa à Reitoria da Universidade do Minho, ao Convento de Cristo (Tomar) e à Assembleia da República. No plano internacional, teremos novas exposições em Espanha, França, Croácia, Rússia e Azerbaijão. Faremos também uma aposta muito séria na divulgação e promoção. Depois de em 2018 termos iniciado a atualização de produtos de merchandising, em 2019 vamos implementar um projeto de marketing digital e realizar um conjunto de ações junto da comunicação social e da comunidade de influenciadores. E estaremos presentes, com o apoio constante e inestimável do Turismo de Portugal, nas principais feiras nacionais e internacionais de Turismo.
Perfil de Bruno J. Navarro:
Presidente da Fundação Côa Parque
Idade: 41 anos
Naturalidade: Coimbra
Profissão: Historiador/ Professor do ensino superior
Currículo: Doutorado em História, Filosofia e Património da Ciência e da Tecnologia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa; mestre em História Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, licenciado em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; autor de vários estudos publicados em monografias, dicionários e revistas especializadas; professor no Instituto Superior de Ciências Educativas (ISCE), integrando ainda o corpo docente de cursos pós-graduados da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
Livros preferidos: “O Retrato de Dorian Grey”, de Oscar Wilde; “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera
Filme preferido: “La Meglio Gioventù”, de Marco Tullio Giordana
Hobbies: Cinema, literatura