P – Concorda com os critérios e datas do desconfinamento gradual da economia apresentadas pelo Governo?
R – Aceito-os, no pressuposto de que foram definidos com base, apenas, em critérios científicos e de salvaguarda da saúde publica. No entanto, temo que, mais uma vez, se esteja a definir a estratégia tendo como referência a realidade do litoral e das grandes áreas metropolitanas, esquecendo que o país não é todo igual e que indicadores como a densidade populacional e todos os outros indicadores associados, neste contexto, não são um problema para o interior do país. Tal pode facilmente ser constatado através de uma análise atenta dos números divulgados pela Direção-Geral da Saúde. Os nossos empresários apenas sobreviviam já antes da pandemia, pelo que todas as decisões tomadas que permitam que as empresas da nossa região retomem a sua atividade, em segurança, são bem-vindas e têm o nosso aval.
P – As PME’s da região estão em condições para cumprir as novas obrigações decorrentes da pandemia?
R – As micro empresas e as PME’s da região estão, na sua grande maioria, em condições de cumprir, como sempre o têm feito, as novas obrigações decorrentes da pandemia. Mas o que é importante saber é se o Governo de Portugal está em condições de cumprir as suas obrigações para com as empresas, sejam elas micro, PME’s ou grandes, as quais contribuem, com grande sacrifício, através dos impostos para a máquina do Estado. O que temos verificado é que até ao momento os apoios não têm sido eficazes e os critérios impostos excluíram uma grande percentagem de empresas e empresários da nossa região.
P – A AENEBEIRA tem uma ideia de quantas empresas/comércios não vão sobreviver à pandemia da Covid-19?
R – A AENEBEIRA não tem noção de quantas, tal como penso que ninguém tem. Temos é a convicção que serão muitas. Algumas não vão reabrir já este mês, sendo, infelizmente, expectável que o número de insolvências vai certamente disparar após os meses de Verão, bem como o número de desempregados. Esta minha convicção tem como fundamento o facto do tecido económico desta região ser constituído na sua grande maioria por micro e PME’s, muitas delas de cariz familiar, as quais estão muito dependentes, do ponto de vista da receita, de três períodos do ano: o Natal, a Páscoa e os dois meses de Verão. Assim, na Páscoa as receitas foram particamente nulas, principalmente no setor do turismo, na restauração, nos serviços, no comércio tradicional e na venda de produtos endógenos (queijo e enchidos, mel, etc), e a probabilidade dos meses de Verão não serem muito melhores é grande.
P – Os apoios e linhas de crédito disponibilizados pelo Governo são suficientes?
R – Quanto aos apoios, quase não demos por eles, pois passados que estão quase dois meses de estado de emergência, por esta ou aquela razão, ou ainda não chegaram aos destinatários ou as empresas e os empresários não se puderam candidatar aos mesmos. Entendo ser uma afronta a qualquer empresário deste país não poder aceder, por exemplo, ao “lay-off” simplificado no âmbito da Covid-19 porque teve um volume de faturação no ano anterior superior a 60 mil euros ou, tendo faturado menos, tem um trabalhador dependente. Estou certo que estes empresários não devem milhões ao Estado, em impostos, ou à banca, nem são responsáveis por fuga de capitais para “offshores”, bem pelo contrário. Eles e as famílias que empregam são os principais aforradores e o garante da existência de vida e dinâmica económica no interior do país. O sentimento geral dos empresários é de revolta, pois têm a consciência de que são esquecidos vezes sem conta nas tomadas de decisões das mais altas figuras do país. Durante décadas o interior e as suas gentes foram abandonados pelo poder central, o qual, na hora de decidir, sempre nos penalizou em detrimento de outras regiões bem mais ricas e mais desenvolvidas. Evidência do que afirmo é o facto do Interior, ao que parece, ter desaparecido da agenda política do senhor Presidente da República e do Governo, pois as tão propaladas medidas para o interior, nomeadamente os programas +Coeso Emprego, +Coeso Digital, +Coeso Competitividade e +Coeso Conhecimento aguardam há meses o lançamento dos respetivos avisos de abertura. No que diz respeito às linhas de crédito, os montantes são escassos e esgotaram quase de imediato, são desadequadas às nossas micro e PME’s e os processos de aprovação tem condições pouco vantajosas com taxa anuais efetivas bastante elevadas.
P – Como é que a Covid-19 afetou a AENEBEIRA e com que consequências em termos financeiros e da atividade?
R – A AENEBEIRA aderiu parcialmente ao “lay-off”, pois com o decretar do estado de emergência foram suspensas as atividades que permitem financiar parte da estrutura de recursos humanos. Mantêm-se, no entanto, em funcionamento os serviços de apoio aos associados e às empresas, nomeadamente ao nível do aconselhamento jurídico e da prestação de informação relativa à vasta legislação publicada e às medidas anunciadas no âmbito da Covid-19. Do ponto de vista financeiro, a nossa situação está, de momento, controlada, no entanto, é importante lembrar as dificuldades sentidas na economia da região, às quais não somos alheios, razão pela qual temos feito um esforço enorme para cumprir os compromissos anteriormente assumidos com os nossos fornecedores. Estou certo que estamos a viver um tempo novo, em que teremos que valorizar como nunca o que é produzido na nossa região, começando desde logo, no ato da aquisição de bens, por preferir os nossos produtos. É necessário um novo posicionamento dos atores do território, mais solidário, mais exigente e mais pragmático interpretando os desafios que se nos colocam como uma oportunidade. Para o efeito, a cooperação passou a ser a chave decisiva das soluções a implementar, contando com todos de igual forma e com o mesmo tratamento por parte do Governo, sem atropelos, sem duplicação de respostas e chamando a participar os mais bem preparados. Acredito nas nossas gentes, nos nossos empresários e na sua capacidade de superação.
Perfil de Tomás Martins:
Presidente da direção da Associação Empresarial do Nordeste da Beira
Idade: 46 anos
Naturalidade: Mêda
Profissão: Consultor
Currículo: Licenciado em Estudos Europeus; Pós-graduado em Gestão de Recursos Humanos; Presidente da Assembleia-Geral do CEC/CCIC; Presidente da Assembleia-Geral de Parceiros da ADD – Associação de Desenvolvimento do Dão; Presidente da Assembleia-Geral da Raia Histórica – Associação de Desenvolvimento do Nordeste da Beira; Deputado da Assembleia Municipal de Trancoso, Deputado da Assembleia Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela.
Livro preferido: “Cidadela”, de Antoine de Saint-Exupéry
Filme preferido: “Clube dos Poetas Mortos”
Hobbies: Fotografia