P – Em que consiste o trabalho que lhe valeu uma bolsa da EMBO?
R – Em setembro do ano passado, durante um congresso internacional da área que decorreu em Ofir, conheci um prestigiado cientista, o professor Flaviano Giorgini, que era já um colaborador de longa data dos meus orientadores. Na sequência de longas discussões científicas acerca do meu projeto de doutoramento, surgiu a possibilidade de ir para o laboratório que ele lidera na Universidade de Leicester, no Reino Unido, para executar uma tarefa essencial para a progressão não só do meu projeto de doutoramento, mas também dos projetos do meu grupo liderados pelo professor Hugo Vicente Miranda. Depois de definirmos a minha ida, começou a corrida para obter financiamento que suportasse os custos da estadia durante seis meses em Leicester. Neste sentido, decidi preparar uma candidatura para a Organização Europeia de Biologia Molecular (EMBO). Nesta candidatura, que me valeu a atribuição da muito prestigiada bolsa de curta duração da EMBO, pretendemos avaliar o potencial de fármacos antidiabéticos para a doença de Parkinson em moscas da fruta.
P – Que aplicação concreta terá essa investigação e quando pensa ser possível introduzi-la no tratamento da doença Parkinson?
R – O trabalho dos investigadores é, como costumo dizer, o “backstage” da medicina. Trabalhamos com uma dedicação enorme para encontrar novas terapias e novos medicamentos diariamente. O nosso maior objetivo é o de poder dar uma nova esperança a quem sofre de qualquer tipo de patologia. Obviamente que, em termos práticos, a investigação não é tão rápida como seria necessário e como gostaríamos que fosse. Por esse motivo, neste projeto decidimos testar fármacos que já estão aprovados pelas agências reguladoras para o tratamento de outras doenças. Tratando-se de um reposicionamento de métodos terapêuticos, se conseguirmos comprovar a sua eficácia e utilidade, conseguiremos mais rapidamente chegar e tratar os doentes de Parkinson.
P – O que lhe garante esta bolsa?
R – A bolsa de curta duração da EMBO garante-me, em primeiro lugar, financiamento para poder ir durante alguns meses para a Universidade de Leicester executar parte do meu projeto de doutoramento. Mas, mais importante do que isso, esta prestigiada bolsa vai permitir-me elevar o meu trabalho para os mais altos padrões de investigação, irá permitir uma nova aprendizagem num instituto internacional de elevada reputação, bem como adquirir novos conhecimentos técnicos em novos modelos que poderei importar para o meu grupo de investigação.
P – E o Covid-19? Quando é que acredita que será possível haver uma vacina?
R – A pandemia Covid-19 é um desafio médico, científico, político, social e humanitário sem precedentes na história da Humanidade. Vivemos tempos “estranhos” para aquilo que era a nossa perceção da vida e acredito que o coronavírus vai deixar marcas profundas na Humanidade e alterar muitos aspetos da vida quotidiana. Neste momento, cientistas e médicos de todo o mundo uniram esforços para tentar perceber a dinâmica deste vírus, desde questões mais fundamentais até à procura de um tratamento. Há muitos grupos de investigação e empresas farmacêuticas a trabalhar dia e noite para encontrar uma vacina que possa travar a progressão desta pandemia. Nesta fase, não é possível prever quando irá haver uma vacina, mas temos a garantia de que todos os esforços estão a ser feitos por toda a comunidade científica.
P – O que gostaria de investigar num próximo trabalho? Porquê?
R – Para mim é muito claro que pretendo continuar a trabalhar na área de neurociências. Apesar de tudo aquilo que já sabemos, o cérebro continua a ser um grande mistério e por isso desperta uma curiosidade incontrolável em mim. Olhando para o futuro, penso em algumas opções. Nomeadamente em continuar a trabalhar em doenças neurodegenerativas ou em explorar mecanismos associados a alterações de comportamento em distúrbios neurológicos, como o autismo ou a doença bipolar.
P – É guardense. Qual é neste momento a sua relação com a cidade?
R – A Guarda é a cidade onde eu nasci e pela qual nutro muito carinho. Uma vez que toda a minha família e alguns grandes amigos residem na área da Guarda, vou até “à mais alta” com alguma frequência. Claro que há sempre as limitações impostas pela atividade profissional, que desempenho em Lisboa, e também limitações económicas devido aos elevados custos das viagens, onde as portagens têm um enorme peso. Mas é sempre importante manter os laços e nunca esquecer as nossas raízes e por isso, sempre que tenho oportunidade, não deixo de ir à minha cidade.
P – Na sua opinião, o que faz mais falta para o desenvolvimento da Guarda? O que poderia atrair as novas gerações a regressarem à cidade?
R – A Guarda precisa de mais dinamismo e investimento em áreas cruciais como a saúde, a educação e a indústria. A Guarda está necessitada de investimento para que possa atrair e fixar os jovens que saem para adquirir a sua formação académica noutras localidades e que depois acabam por não regressar por falta de oportunidades para fazerem a sua afirmação e percurso profissionais. Necessita de um ensino superior forte, afirmativo e qualificante que sirva de motor do conhecimento e desenvolvimento, com currículos orientados para o mercado de trabalho. Apostar em serviços públicos fortes e competentes, principalmente na área da saúde e da educação, deve também ser uma prioridade na nossa cidade.
Perfil de Ana Chegão Monteiro:
Investigadora do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC) da NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa
Idade: 30 anos
Naturalidade: Guarda
Profissão: Investigadora
Currículo: Licenciada e mestre em Bioquímica pela Universidade da Beira Interior (2007-2013); Estagiária voluntária no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV); Bolseira no ITQB NOVA e do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC) da NOVA Medical School da Universidade Nova de Lisboa, na área de Neurociências; Doutoranda em Mecanismos de Doença e Medicina Regenerativa (ProRegeM); Artigos publicados nas revista “Scientific Reports” e “FASEB”, intervenções em congressos nacionais e internacionais.
Livro preferido: “Sapiens: uma breve História da Humanidade”, de Yuval Noah Harari
Filme preferido: “O Diário da Nossa Paixão”
Hobbies: Viajar, experienciar e viver novas culturas, fotografia