Cara a Cara

«A minha esperança é que, apesar de todas as dificuldades, a capeia saberá reinventar-se e reerguer-se depois deste período»

Dsc 5325
Escrito por Efigénia Marques

Entrevista a João Cláudio Madalena, aficionado das capeias raianas

P – Pelo segundo ano consecutivo, o concelho do Sabugal não terá as habituais capeias. Para um aficionado da tradição raiana, o que significa a capeia raiana?
R – A capeia arraiana significa uma identidade própria, uma forma de estar, uma forma de viver refletidas nas tradições e naquilo que é a génese da população raiana. É uma manifestação total daquilo que é um sentir raiano daquela população do concelho do Sabugal.

P – E quais as expectativas de animação para este mês de agosto, que, com a ausência das capeias, acaba por se tornar um pouco mais pobre para os sabugalenses?
R – Este ano devido às questões relacionadas com a Covid-19 vamos ter quebras irreparáveis nas questões económicas e sociais do concelho. Vai ser muito difícil voltarmos a ter a nova normalidade porque durante este período as pessoas deixaram de ter uma ligação afetiva tão forte à terra, o que acaba por ser uma das razões que as faz a regressar a este concelho. A capeia raiana é uma manifestação taurina de raiz popular e tem essa capacidade de trazer pessoas às suas origens e ligá-las por esse cordão umbilical que tem a ver com essas tradições. O facto de neste período não podermos usufruir dessas atividades trará claramente consequências irreparáveis. Mas há uma questão importante a ressalvar, pois, apesar de termos este período tão difícil, é natural que no próximo ano, depois de passarmos esta pandemia, possamos reacender essa mesma chama. E é por ser iminentemente popular que a capeia tem tido sempre a capacidade de se readaptar a todas as vicissitudes que aconteceram ao longo dos anos. A minha esperança é que, apesar de todas as dificuldades, a capeia saberá reinventar-se e reerguer-se depois deste período.

P – Acha que não ter havido capeias nestes dois anos pode afetar culturalmente as pessoas? Que se pode perder esta tradição, ou que não será afetada?
R – Ser tão radical não acredito, porque esse sentir está tão enraizado e faz tão parte do nosso ADN que dificilmente isso se perderá, mas é natural que as novas gerações, que ainda não têm esse vínculo tão forte e que curiosamente até poderiam estar habituadas a vir anualmente às festas da sua aldeia, nesta altura poderão não sentir essa necessidade e naturalmente poderá ter alguma tendência a diminuir esses valores. Mas também eu gosto de sentir isto pelo lado da esperança, ou seja, o facto de termos estado afastados poderá fazer com que depois possamos renascer para o próximo com mais força e evidência.

P – No que toca aos emigrantes, a não realização das capeias raianas poderá influenciar a decisão de vir, ou não, para as suas terras?
R – Acredito que em muitos casos esta situação poderá influenciar porque, ao contrário do que acontece noutros territórios, a capeia raiana cria uma identidade muito própria. E é essa identidade diferenciadora que torna estes territórios mais apelativos, apesar de todas as outras razões… Mas poderá sempre existir uma diminuição no número de pessoas que podem vir e de trazer com isso as restantes consequências, como o impacto na economia local e também social.

P – E qual acha que poderá ser o impacto social e económico para a região?
R – Para uma área tão marcada e com caraterísticas tão identitárias, associadas à capeia arraiana é por demais evidente que a sua não realização deixa uma marca indelével no sentir e no querer de todos os arraianos.
Quando falamos de Capeia Arraiana, não nos podemos referir apenas ao ato em si, com dia e horas mais ou menos agendadas, mas sim a tudo o que este acontecimento envolve, sobretudo na sua componente social e inter-relacional.
Nestas terras habituadas a receber milhares de pessoas por esta altura e que de um momento para o outro se vêm impedidas de as realizar, traz-nos à memória um sentimento de perda em tudo semelhante à amputação de uma boa parte do nós. A que nos faz viver e relembrar a essência e nossa cultura ancestral, que tem vindo a ser perpetuada por uma forma e um querer arrebatador, ligada umbilicalmente a uma “RAIA” construída de muitas partes, mas que é cada vez mais um todo que se procura afirmar pela sua diferença e pelas suas raízes e tradições. Por isso, as consequências são mais do que evidentes do ponto de vista económico/financeiro, mas sobretudo do ponto de vista do equilíbrio social, afetivo, de toda uma vasta região, que extravasa facilmente os seus limites físicos.

P – E quais acha que poderão ser as áreas mais afetadas a nível económico?
R – Mais concretamente, todo o setor da restauração vai ser o mais marcado. Esta seria a oportunidade de majorar um pouco mais esses lucros e dar um incremento positivo à economia do concelho, que neste momento se vê incapaz de o fazer.

P – E como aficionado desta tradição do Sabugal, o que poderá ser feito para recuperar as iniciativas desta tradição raiana no pós-pandemia?
R – É preciso claramente termos alguma capacidade organizativa para que esta atividade possa ter alguma retoma gradual. A capeia arraiana é uma manifestação taurina de raiz eminentemente popular e como tal, todas as alterações no seio da sua população tendem a ter reflexos evidentes na sua forma e conteúdo. Assim, este momento poderá e deverá ser utilizado para refletir sobre muitas temáticas, que poderão ser representativas para a prossecução desta manifestação para as próximas décadas, como, por exemplo, a saúde e bem-estar de touros e cavalos, tendo para tal que melhorar e/ou repensar os espaços físicos e melhorar todas as condições de assistência médico veterinária. Devem-se também encontrar soluções para melhorar questões de assistência médica para “atores” e espectadores, repensar as questões de segurança e conforto para o público e pensar ações para melhoria do ritmo e ação dos acontecimentos. Será também a oportunidade para estudar a criação de uma Academia do Forcão, para transmissão de conhecimento e perpetuação das tradições da capeia arraiana, e de cimentar formas e canais de divulgação e de promoção porque há um potencial de promoção turístico inigualável.

Sobre o autor

Efigénia Marques

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