Cara a Cara

«A cultura da região sofreu de um grande mal: a candidatura a Capital Europeia da Cultura»

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Escrito por Efigénia Marques
P – Como surgiu a ideia de criar a Associação Cultural Sou Só? R – Surge no preciso momento em que percebemos, enquanto montávamos “EU! KRAPP…”, que temos competências e vontade em continuar a trabalhar em equipa a partir da Guarda. Ganhou ainda mais força quando percebemos que no nosso concelho, e até mesmo no distrito (onde a CIMBSE se esforça por apagar qualquer tipo de força associativa), os criadores residentes, os de cá, passaram a ser vistos como “participantes” em criações propostas por criadores externos. Deu-se a usurpação completa dos nossos palcos e dos nossos criadores em favor das famosas “redes” de favores que, espantemo-nos, são o centro da política turística da CIMBSE. Já há concelhos em que nada mais acontece que não seja feito no centro destas “redes”. Queremos, portanto, afirmar as capacidades criativas de quem cá vive e que merece ser o centro das atenções de todos os responsáveis políticos destes territórios. É com este espírito que criámos a Sou Só, para dar o palco a criações feitas a partir da Guarda e com gente da Guarda. Nunca seremos barrigas de aluguer dos “visionários” que vivem em Lisboa ou Porto. P – O que a distingue das que já existem na região? R – O que nos distingue é exatamente o sítio onde temos a cabeça e os pés. Não pensamos a cultura da Guarda a partir de outro ponto do país. O nosso objetivo é afirmar a Guarda como produtora de objetos artísticos que tenham qualidade e que ajudem ao crescimento da população. Perguntar-me-ão se desejo fechar-nos numa ilha. Não! Desejo sim que tal como a Guarda paga milhares de euros para trazer espetáculos oriundos de outros pontos do país, também nesses pontos nos devem receber e pagar tal como acontece cá. A lógica de uma rede cultural é essa: a troca entre iguais e de igual forma. É isso que vamos exigir e que nos diferencia. Nós queremos que a nossa região seja reconhecida e não apenas usurpada. Não pode haver uma associação, pertencente a um distrito vizinho, que ao longo dos anos tem vindo a servir-se da Guarda para ganhar prestígio e muito dinheiro, e que ao receber um dossiê de uma companhia da Guarda (enviei a peça “EU! KRAPP…”) nem sequer lhe dá resposta. O seu auditório até pertence à Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) e nada. É inadmissível! P – Que projetos/ iniciativas estão planeados para este primeiro ano? R – Estamos neste momento a terminar o Plano de Atividades que entregaremos à Câmara Municipal da Guarda e a outras entidades de forma a percebermos se temos condições para trabalharmos com solidez nos vários projetos. Um dos objetivos é produzir duas peças de teatro direcionadas para o público infantil e juvenil. Além disso, vamos ter um conjunto de formações em várias áreas. Estamos já a divulgar as aulas de expressão dramática que vão decorrer na Guarda (as informações devem ser requeridas através do endereço sousoassociacao@gmail.com). P – E quais são as principais dificuldades que têm sentido? R – A principal dificuldade neste momento tem sido a relacionada com as instalações. Para já, somos uma associação que “vive” numa casa emprestada. Precisamos, e já reunimos com os responsáveis da Junta de Freguesia, de uma sala para podermos trabalhar com os jovens e os menos jovens em Famalicão, seja na área do apoio ao estudo ou ao nível da literacia digital. E precisamos de ter garantias de podermos usar com alguma liberdade a Casa da Cultura de Famalicão da Serra, para ser a nossa base de criação, montagem e apresentação das nossas peças, mas onde queremos também fomentar a atividade artística local e ter oportunidade de fazer alguma programação. Quem sabe se não é através de nós que irá ser dinamizada a ideia, aprovada em Assembleia Municipal, de criar um Festival de Teatro Amador. Seria interessante programarmos isso para o concelho ou para o distrito. P – Como vê o estado atual da cultura na região? R – A cultura na nossa região sofreu de um grande mal: a candidatura a Capital Europeia da Cultura. Parece um contrassenso, mas o que deveria ter sido um momento de agregação do tecido cultural do concelho e, posteriormente, da região, foi apenas o agregar de um grupo de interessados em controlar a cultura desta mesma região. A rede que se criou fez com que os artistas fossem substituídos por uma “cambada” interessada em tirar ganhos pessoais de um momento que deveria ser de afirmação territorial. Ao invés, deu-se uma completa fragmentação e uma falta de objetivos gritante na região. A rede de influências continua viva e alojada em alguns municípios. Hoje são essas redes que continuam a dominar os processos de decisão, mas a bem da região, têm de ser desmanteladas. Não nascem das relações entre associações. Vejam, dar um apoio “chorudo” a uma associação “amiga” e depois essa ir impor uma rede a outras é o mesmo que dar uma barragem a um para este vender copos de água aos outros. A cultura está resumida a isto. As regras da RTCP são, talvez, a machadada final. Portanto, ou abrimos os olhos aos nossos autarcas ou passamos a ser definitivamente um deserto cultural. _______________________________________________________________________

DANIEL ROCHA

Presidente da direção da Associação Cultural Sou Só Idade: 40 anos Naturalidade:Famalicão da Serra (Guarda) Profissão: Dramaturgo, encenador e professor Currículo: Prestará provas públicas brevemente no mestrado em Teatro; É professor de Português; Pública regularmente e continua a procurar abandonar a precaridade profissional Livro preferido: “Ninguém escreve ao Coronel”, de Gabriel García Márquez Filme preferido: “O fiel jardineiro”, de Fernando Meirelles Hobbies: Ler, correr e ficar em silêncio

Sobre o autor

Efigénia Marques

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