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Zapatero

Pois, Pois

A popularidade de José Luís Rodriguez Zapatero, Presidente do Governo espanhol, não pára de crescer. Convém tentar perceber o, por assim dizer, fenómeno.

Zapatero ganhou as eleições na sequência do atentado terrorista em Madrid em 11 de Março de 2004. O poder caiu-lhe literalmente em cima. Inesperadamente. Uma das suas primeiras medidas foi retirar o contingente militar espanhol do Iraque. De uma assentada deu cabo da parceria estratégica de Aznar com a administração americana, a qual até hoje não lhe perdoou o atrevimento. O princípio não era nada auspicioso.

Entretanto, as coisas começaram a compor-se e a popularidade de Zapatero a subir. Isto deve-se a três coisas fundamentais.

Primeira, a economia. A economia continua a crescer de forma vigorosa. As previsões de crescimento para este ano são de 3,5 % do PIB e para 2007 de 2,5%. A nona economia do mundo transpira optimismo e dinheiro. Para isso contribuiu sem dúvida o experiente Ministro das Finanças Pedro Solbes, que se encarregou de manter as finanças públicas em ordem. Sobretudo, contou o declarado amor de Zapatero pela economia de mercado e a iniciativa privada, que ele considera quase sagradas. Zapatero liberalizou o mercado de trabalho tornando os despedimentos mais fáceis e o desemprego, apesar de continuar acima dos 8%, apresenta a sua taxa mais baixa dos últimos 25 anos.

Segunda, mexeu nas autonomias das comunidades, algo que não acontecia desde a sua formação com a Constituição de 1978. A Catalunha ganhou um novo estatuto onde aparece mencionado o termo “nação” mas que trava a auto-determinação e deixa isolados os independentistas. Prosseguem as negociações em relação ao País Basco e a ETA mantém as suas tréguas.

Terceira, a “modernização” da sociedade espanhola. Os casamentos de homossexuais e a sua adopção de crianças. O fim de uma série de privilégios da igreja, nomeadamente no ensino. Por fim, a recentíssima “Lei de reconhecimento e extensão dos direitos das vítimas da guerra civil e da ditadura”.

Com esta estratégia, não mexer na economia e apostar nas chamadas questões “fracturantes”, Zapatero empurrou Rajoy e o seu Partido Popular (PP) para a direita fazendo-lhe perder o decisivo centro. E, segundo alguns estudos, 18% dos espanhóis consideram-se liberais. A oscilação deste grupo é que decide as eleições e Zapatero, inteligentemente, soube conquistá-lo.

Infelizmente, não há bela sem senão.

A economia pode não estar tão vigorosa como parece. Crédito barato, um boom na construção civil e consumo doméstico são os motores da economia espanhola e não o investimento. A construção, que representa hoje 16% do PIB e 12% do emprego, tem crescido muito devido à chegada constante de imigrantes – o ano passado foram mais 650 mil a juntar-se aos mais de 3 milhões – e aos milhares e milhares de pensionistas alemães, franceses e ingleses que escolhem o sul de Espanha para viver. Mas isto tem forçosamente um limite. A inflação a 4% e o elevado défice externo também não auguram nada de bom.

Zapatero é liberal mas não tanto como seria de desejar. Veja-se, por exemplo, a obstrução do governo espanhol para tentar impedir a OPA da empresa alemã EON sobre o gigante da electricidade espanhola Endesa, violando inclusive as leis da concorrência da União Europeia.

Pior: as suas políticas “fracturantes” podem ter isolado o PP e ter-lhe garantido a reeleição em 2008, mas podem dividir e fracturar irremediavelmente a Espanha. A Espanha de hoje parece-se cada vez mais com a de 1936, nas vésperas da guerra civil e de milhões de mortos. De uma lado, uma Espanha anticlerical, federalista e “progressista”, do outro, uma Espanha conservadora, centralizadora e profundamente católica. Da última vez que estas duas Espanhas se enfrentaram as coisas correram muito mal. Sem querer, Zapatero pode estar a acordar demónios que se pensava estarem há muito tempo enterrados e que ninguém queria voltar a ver.

Por: José Carlos Alexandre

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