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Voltaram a “chover” castanhas

Freguesia do concelho da Guarda reviveu, no último sábado, mais um “Magusto da Velha”

A cada ano, no dia a seguir ao Natal, a tradição regressa ao principal largo da aldeia, onde o madeiro ainda arde. Repicam os sinos, ouve-se o estrondo dos foguetes e, durante quase uma hora, instala-se um autêntico rebuliço junto à igreja matriz. No passado sábado, voltaram a “chover” castanhas e rebuçados do alto da torre sineira, enquanto, cá em baixo, miúdos e graúdos se acotovelaram para encher bolsos e sacos.

Em Aldeia Viçosa, há quem faça questão de passar a quadra na terra só para não perder o “Magusto da Velha”. «Para a maioria das pessoas é até mais importante este dia que o Natal», garante Olívia Antunes, que se aventurou no meio da “chuva” de castanhas com as suas duas filhas, gémeas, de seis anos, que, de quando em quando, lá abriam os seus sacos para exibirem o que iam apanhando. Mora em Lisboa há mais de 20 anos e regressa sempre por esta altura à terra natal para reviver com a família esta tradição única no país, que remonta a 1698 – tem origem numa herança de 24 escudos e 60 centavos deixada por uma mulher muito idosa e abastada, um legado que ainda hoje rende à Junta 14 cêntimos a cada trimestre. Para Olívia Antunes, o dia «é, acima de tudo, de muito convívio», em que se aproveita para desejar as boas festas a todos e «rever algumas pessoas». Há 311 anos que, no dia a seguir ao Natal, se comem castanhas, cruas ou assadas nas brasas do madeiro, e se bebe o “copinho da velha”, faça chuva ou sol.

A festa faz-se com 150 quilos de castanhas e 150 litros de vinho, oferecidos pela Junta. A população adere em força. Uns preferem entrar no rebuliço, outros optam apenas por observar de longe, com receio de serem atingidos pelas castanhas lançadas da torre sineira – de tal forma que chegam a magoar –, e há ainda quem jogue às “cavaladas”. São os homens que entram no jogo, que se desenrola sempre no adro da igreja: quem se baixa para apanhar as castanhas põe-se a jeito para que outros lhe saltem para as costas. Uma «brincadeira» que arranca risos a António Rebelo, habitante da aldeia, que, aos 62 anos, confessa já não se sentir «em forma» para alinhar nas “cavaladas”. Este ano ficou-se pelas castanhas, que «são bem grandes», e prefere comê-las cruas. «Se a tal “Velha” queria que não a esquecêssemos, conseguiu», acrescenta, por sua vez, Maria Coutinho, residente na Guarda, que passou o Natal em Aldeia Viçosa, onde tem raízes. Para esta visitante, a quadra festiva «só fica completa com o “Magusto da Velha”».

Também ela faz por «não falhar um» juntamente com as filhas. «Diverti-me aqui muito quando era pequena», recordou. Nessa altura, ainda não se ofereciam rebuçados, que reconhece ser «o que mais agradará agora às crianças». A introdução dos rebuçados é recente e constitui uma estratégia para «habituar os mais pequeninos a virem ao “Magusto da Velha”» para que «daqui a 20 ou 30 anos» a tradição ainda se mantenha viva, explicou o presidente da Junta. A herança deixada pela “Velha” é insuficiente para suportar os custos da festa, mas «a Junta, com a colaboração da Câmara da Guarda, tem sempre uma verba disponível para a fazer, pois é do agrado de toda a população e também de todo a zona do Vale do Mondego», acrescentou Baltazar Lopes.

Enquanto as crianças disputam rebuçados, os homens jogam às “cavaladas”

Voltaram a “chover” castanhas

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