Roubei o titulo ao Movimento Independente para a Reconstrução Nacional e a uma história antiga, e verídica ao que me dizem, porque desconstruir é fácil. Muito mais difícil é erguer e construir e eu, pífio aprendiz de provocador, não resisto a entornar a malga das sopas porque nunca tive medo, nem nos tempos em que abundavam as listas, nos anos em que comecei a subir à Mais Alta, ainda se tocava a Garrida.
Foi nesse ano, numa altura em que a discoteca da minha cidade fechou, que eu, já então ganapo estouvado, roubava o carro do mano velho, apanhava quatro amigos que quisessem partilhar a gasolina e subia à Guarda. Logo ali na entrada descobri o “barracão” do Aquilo que mais tarde, graças ao Armando Neves com quem partilhei andanças civis na proteção do país, me outorgou uns extraordinários livros de poesia, pequenos, mas com um corte gráfico, e um papel, de sobressaltar a quietude. Quis a sorte que o Estado e eu nos desentendêssemos e voltei à Guarda para cumprir um estágio profissional, cidade que sempre teve Jornalismo à séria. De aprender e fazer.
Foi nessas andanças que conheci o Américo Rodrigues, pessoa aguerrida e, em dias de tormenta, com profícuo mau feitio. Mas vi, mesmo quando fui para Pinhel, o que foi feito com os Amigos do Manigoto, a extraordinária peça que ali foi montada. Foram “Os nomes da terra” que me explicaram como a cultura é uma festa e um permanente desatarraxar da memória. “Cicatrizando” o fio houve ainda o cobertor de papa, que todos nos lembramos de picar nas fuças, mas que é quente e estava ostracizado, e a morcela da Guarda. Duas epifanias encarrilhadas no Fio da Memória, outro destemido sacolão na quietude.
Entretanto encarrarei na imprensa da capital, mas sem nunca largar o rincão beirão, e fui ao TMG ver os dias da Rádio. Outra Altitude em que a Guarda mostrou valentia. E, claro, a imensa empatia que o TMG deixou no país, o muito que ali era feito, até a livraria que ali nasceu e tantas coisas que, um dia vindo de Castelo Branco após um portentoso almoço, meti no gravador da rádio onde então porfiava uns estrondosos 15 minutos que o Artur colocou na “Última Hora”, porque, editando ele e reportando eu, também percebeu o gigantismo.
Depois veio o novo ciclo e o diretor do TMG abalou-se à Biblioteca com nome de Professor. Um extraordinário Ensaio sobre a forma como em querendo, sabendo e podendo, podemos fazer das coisas pequenas grandes hossanas. Agora teremos o Américo Rodrigues a educar o concelho e, sei-o de antemão e aqui o garanto, virá de novo maravilha à mais Alta. Maravilha e notoriedade. Mas uma cidade que se dá ao requinte de ostracizar o mais esclarecido dos seus autores, amado e prezado em todo o país, com um poderoso acervo e que ainda há semanas atuou na minha cidade, é coisa que me enquista. O arquivo não está morto, e poderia aduzir razões desde a Oppidana ao jornal onde porfiei, mas a mim reles repórter, não haverá parlatório que me censure.
E acho uma tremenda tristeza porque nós, com este prover, acabamos por ser iguais aos da capital, os que nos ostracizam e contra os quais reclamamos justiça. Mais ainda quando se lança a corrida para que a Guarda seja a “Capital Europeia da Cultura 2027”. Com o quê? Com o que os outros têm ou fazendo a coerência do que é com o que foi e mastigando e louvando esse imenso trajeto que levou anos a construir, dando Passos à Memória e metendo tudo no Cesto, que a propósito ainda gravita na casa de minha mãe. E esse é trajeto que me orgulha de ter conhecido e que me orgulhará de ver crescido. Porque me tolhe o Calafrio quando vejo os brilhantes e meritosos arreados. E muito tarda o meu Amigo na Guarda.
Por: Amadeu Araújo
* Jornalista