Esta semana dedicamo-nos novamente à coleção do Museu da Guarda, desta vez a dois artistas do século XX: o escultor Canto da Maia (1890-1981) e o pintor Eduardo Malta (1900-1967). Sugerimos um olhar mais demorado por duas peças cujo objeto é a nudez feminina mas que, mesmo sendo da mesma década, refletem linguagens artísticas e sentimentos distintos.
A “Sereia” de Canto da Maia, estudo escultórico em gesso de 1938-1940, apresenta-nos toda a sensualidade feminina patente no corpo híbrido daquela personagem mítica, que numa atitude de repouso voluptuoso, com longos cabelos ondulados e duas caudas, seria bem capaz de levar Ulisses à loucura.
Numa época em que dominavam formulários classicistas ao serviço da propaganda Salazarista ou, por outro lado, reacionismos cubistas, expressionistas e abstracionistas, Canto da Maia conseguiu marcar a diferença. Construindo um imaginário intimista e simbolista de matriz feminino, através da exploração de formas primitivas, orientais, góticas, maneiristas e de composições elegantes e delicadas, seguiu as “Arts Nouveau” e “Deco”, mas distinguiu-se pelo seu lirismo próprio.
Por outro lado, Eduardo Malta, conhecido retratista de Salazar, manteve-se agarrado aos academismos e preferiu sempre receituários naturalistas, o que se refletiu também no seu trabalho enquanto diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea e o levou a enfrentar protestos por parte de artistas e intelectuais que estavam contra a sua nomeação pelo governo do Estado Novo.
O seu “Nu de mulher”, de 1931, quase nos traz à memória as banhistas do neoclássico francês Ingres (1780-1867), salvo as devidas distâncias. Tecnicamente perfeito, este exercício academista explora curvas e torções no retrato sereno de uma mulher que nos olha de frente e cujo único acessório é uma maçã. Haveria fruto mais pecaminoso e feminino?
Aqui fica a proposta de explorar estes dois artistas que por diferentes razões constituem parte indispensável da nossa História da Arte.
Diana Rafaela Pereira*
*Mestranda de História da Arte Portuguesa na Universidade do Porto
