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Visitas a sepultura resolvidas na Relação de Coimbra

Uma irmã impedia outras duas de visitar a campa da mãe no cemitério do Marmeleiro, mas tribunal decidiu que o podem fazer desde que não coloquem vasos ou lápides

O Tribunal da Relação de Coimbra proferiu na semana passada uma decisão no mínimo inédita ao obrigar uma mulher a permitir que as suas irmãs possam visitar a campa da mãe. O caso opunha Judite, Lúcia e Piedade desde 2004, após o falecimento de Maria Augusta em França, onde residia com a segunda filha. Trasladada para o cemitério do Marmeleiro, no concelho da Guarda, a primeira comprou o talhão e tem impedido desde então que as familiares velem ou coloquem flores na campa.

Insatisfeitas com a situação, Lúcia e Piedade, que residem em França, recorreram à justiça, alegando que Judite «as impedia de colocar flores e outros objetos no túmulo da mãe, de aí rezarem e de se aproximarem do talhão». Mas o Tribunal da Guarda, de primeira instância, deu razão a Judite em janeiro deste ano, sustentando que, à falta de legislação sobre esta matéria, prevaleceria o direito natural. Contudo, o juiz acrescentou que só um entendimento entre as três irmãs resolveria o assunto, caso contrário, prevaleceria sempre a vontade da dona da campa. A decisão não agradou às duas irmãs impedidas de visitar a última morada da mãe, pelo que recorreram para a Relação, cuja decisão data de dia 17. Nela, o magistrado determinou que as recorrentes podem visitar a sepultura de Maria Augusta e depositar flores «de tempos a tempos», mas estão, contudo, impedidas de colocar vasos ou lápides porque a campa continua a ser propriedade de Judite.

No acórdão, a que O INTERIOR teve acesso, o juiz relator António Beça Pereira começa por recordar que os cemitérios são públicos, pelo que «não se vê fundamento para que a ré possa impedir as irmãs, ou qualquer outra pessoa, de se aproximarem do talhão». Por outro lado, invoca o facto de Lúcia e Piedade serem filhas da falecida e que esta relação se mantém apesar da morte da mãe. O despacho cita ainda o Código Civil, que protege as pessoas de «qualquer ofensa à sua personalidade física ou moral», o que inclui «os bens inerentes à materialidade e espiritualidade», como é o caso. Por isso, as duas irmãs têm direito «a manter uma relação com os familiares falecidos», que se pode concretizar de várias formas, nomeadamente através da «proximidade física da sepultura» da falecida, onde poderão rezar ou «estar com aquele que já não se pode abraçar», nomeadamente «em dias com carga simbólica».

O juiz lembra ainda que é comum na nossa cultura a colocação de flores e de lápides nos túmulos, o problema é que a campa em causa continua a ser propriedade de Judite, que goza de «direitos de fruição» exclusivos. Sendo assim, o juiz faz prevalecer a propriedade da sepultura sobre o direito ao culto a um ente falecido. «Mas não de forma absoluta», ressalva o magistrado, que só autoriza as irmãs a praticar «atos que tiverem repercussões efémeras na campa». Como esta decisão não é passível de recurso, as filhas de Maria Augusta vão ter que se entender.

Luis Martins

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