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Vingar num “mundo” de homens

Na antecipação do Dia Internacional da Mulher, que se comemora no sábado, O INTERIOR foi conhecer três mulheres que escolheram profissões habitualmente associadas aos homens.

«Quando comecei não tinha força para cortar um chispe»

Os clientes já estão habituados a encontrá-la nos talhos “Bitola Fesca”, no Minipreço e junto à Câmara Municipal, na Guarda.

Paula Quelhas trabalha há sete anos como talhante, assim como a irmã mais nova, mas a curiosidade ainda se mantém do outro lado: «Há pessoas que perguntam e acham engraçado estarem mulheres num talho», confirma a guardense a O INTERIOR. E há clientes que preferem ser atendidos por elas: «Por vezes temos outro cuidado porque sabemos como a carne custa a cozinhar e a preparar em casa», sublinha, salvaguardando que «também há clientes que acham que as mulheres não têm força» e preferem os homens. No entanto, nunca sentiu qualquer tipo de preconceito.

No início, a adaptação foi difícil porque «a carne é muito complicada de trabalhar e o frio das câmaras é terrível, mas é engraçado», considera Paula Quelhas, que já não se imagina a fazer outra coisa. «Quando comecei não tinha força para cortar um chispe, não sabia cortar um bife ou um frango, nem pegar num cutelo», recorda, confessando que ainda pede ajuda nos trabalhos que exigem maior força: «A minha irmã Vera consegue fazer tudo, mas eu a nível de força não consigo, nem com um presunto posso», admite a talhante, entre risos. Os cortes já aconteceram, mas nada de grave. «Como usamos a luva de aço e há material adequado, não há grandes problemas», salienta. Em termos de futuro a vontade é continuar: «É um trabalho de que gosto e é muito gratificante, pois estamos sempre a aprender», evidencia Paula Quelhas.

«Sou capaz de fazer tudo o que um homem faz»

«Nasci no mundo dos automóveis», afirma Carla Tavares, que é inspetora no Centro de Inspeções Automóveis – Betorel, na Guarda, e sempre trabalhou entre homens. Esteve mais de seis anos na Força Aérea, onde trabalhou com camiões, e foi motorista de TIR longo curso nos seis anos seguintes. «O mais difícil é dividirmo-nos entre a família e profissões deste tipo», confessa a guardense, mãe de duas filhas.

Hoje, é a única mulher inspetora na zona da Guarda e estima que, no país, não haja mais de uma dezena: «Quando era motorista era a única e, na Força Aérea, não havia mais mulheres no meu curso», recorda. Contudo, sempre se sentiu bem nas profissões que escolheu: «Gosto muito de trabalhar com homens, não há tanta inveja, quando há muita mulher há sempre confusão», diz, entre sorrisos. A inspetora licenciou-se em Engenharia Ambiental, curso que terminou em 2012, mas admite que não sente vontade de trabalhar na área.

«Sou capaz de fazer tudo o que um homem faz», garante. «O meu pai sempre teve oficinas e foi um gosto que fui cultivando», recorda Carla Tavares, adiantando que adora a sua profissão e pretende continuar a exercê-la, «se possível». Porém, ainda há quem «não acredite que a mulher está a fazer bem porque se trata de um automóvel e podem ficar de pé atrás se digo, por exemplo, que o carro tem o motor a pingar óleo ou uma folga», refere, salvaguardando que há condutores «mais atenciosos porque se trata de uma senhora».

«O “bichinho” está lá e vai demorar muito tempo até a sociedade aceitar»

Quando saiu da Delphi, Carla Barbosa, natural de Lameiras (Pinhel), tirou a carta de pesados com o marido, com quem andou depois nos camiões. «Sempre gostei e não tinha dificuldades, era capaz de apertar e desapertar cintas e de mudar um pneu, por exemplo», adianta a pinhelense, denotando que havia sempre quem estranhasse: «Em França veem-se muitas mulheres a conduzir sozinhas, mas aqui é raro e nota-se alguma diferença», declara.

Mais tarde tirou a carta de pesados de passageiros, mas nunca trabalhou no sector: «Tirei-a há cerca de três anos e fui a uma entrevista, mas ficaram de pé atrás porque era mulher e já tinha um filho», explica Carla Barbosa, asseverando que «há algum preconceito e, como há muito desemprego, põem sempre o homem à frente da mulher nestes casos». «Mesmo quem ainda não tem família, há um certo receio que engravide e depois esteja de baixa por causa do filho», salienta.

Hoje trabalha num hipermercado da Guarda, pois um problema de saúde afastou-a dos transportes de longo curso: «A minha ambição era ter essa profissão, andar num autocarro ou camião, mas infelizmente não deu», lamenta-se, dizendo acreditar que as senhoras ainda não são bem vistas em todas as profissões. «O “bichinho” está lá e vai demorar muito tempo até a sociedade aceitar totalmente a mulher», considera. Quando conduzia pesados viveu situações curiosas: «Uma vez ia um grupo de homens a passar a estrada e, quando viram que era eu a conduzir, tiveram uma reação caricata, como quem diz “é um perigo, deixem passar”», brinca Carla Barbosa.

Sara Quelhas Paula Quelhas, de 33 anos, é talhante no “Bitola Fresca” Carla Tavares, de 34 anos, é inspetora automóvel Carla Barbosa, de 35 anos, tem carta de pesados e autocarros

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