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Vila Soeiro dos pequeninos

Cerca de 250 alunos descobriram o “cabo do mundo”

«46 habitantes é uma admiração!». A surpresa da pequena Cristiana, aluna da EB 2 e 3 de S. Miguel, da Guarda, foi partilhada por muitas das cerca de 250 crianças que participaram, na última quinta-feira, no inédito projecto “Viver a Aldeia em Vila Soeiro”. Cansadas, mas visivelmente maravilhadas com as inúmeras surpresas que tiveram que descobrir nos recantos da aldeia, os alunos não deram o dia por perdido no “cabo do mundo”.

«Foi muito cansativo, mas espectacular», garante a Tânia, da escola de S. Miguel, que gostou sobretudo de fazer bolos. Já o colega Marco preferiu malhar o centeio. Contudo, ambos confessaram que a estação «mais espectacular» foi o almoço. A jornada foi esgotante, mas recompensadora para os os alunos do Agrupamento de Escolas de S. Miguel-Guarda, convidados para uma “aula viva” numa recôndita aldeia a 15 quilómetros da cidade. Em Vila Soeiro malharam centeio, fizeram bolos no forno comunitário, pintaram, pescaram, aprenderam a fazer cestos e dançaram até fartar, num cenário quase à sua escala de pequenas casas, ruelas, passadiços e alguns “avós” para ajudar nas tarefas. A freguesia transformou-se mesmo num grande palco de diversão e aprendizagem para os mais pequenos e até teve direito a controlo de entradas pela GNR para andarem todos mais à vontade. Eles não se fizeram rogados e, após a “invasão”, começou a acção. Misturados em equipas, os alunos do 6º ano da EB 2, 3 de S. Miguel (Guarda) e das escolas do 1º ciclo de Cavadoude, Aldeia Viçosa, Porto da Carne, Faia e Vila Cortês partiram rapidamente à procura das 12 estações em que deviam efectuar as tarefas, orientadas por professores e habitantes. Tudo devidamente explicado num mapa e num percurso pré-definido para cada grupo.

Na Rua da Escola esperava-os uma sessão de gravura e pintura em gesso de uma fachada. A equipa 16 foi a primeira a chegar e saiu-se bem. Prova superada com alguma minúcia pela Joana. Mais complicada esteve a feitura de cestos. A professora bem explicou, mas o Ricardo, da escola do Porto da Carne, saltou a ordem de colocar a fita de madeira e o resultado não se pareceu muito com o pretendido. «Não há azar, isto é uma brincadeira», diz, irónico. No cimo da aldeia, a actividade era bem mais refrescante, já que se tratou de pescar peixes de madeira num tanque. No pinhal ao lado desenrolou-se uma caça ao tesouro, cuja recompensa eram moedas de chocolate. «Valeu a pena», confessa a Catarina, antes da equipa rumar à antiga escola primária. O edifício serve actualmente de sede a uma associação de agricultura biológica. Mirjam, holandesa e responsável pela Beirambiente, há 12 anos na aldeia, espanta-se com o facto deles reconhecerem mais de metade das plantas expostas em 10 vasos. Mas nota que as crianças das aldeias identificam «mais facilmente» a alfazema, menta, oregãos, cidreira ou um carvalho e castanheiro.

Dançar não é com eles

Na Eira de Fora, o desafio é outro e consiste em malhar centeio sem levar com o mangual na cabeça. Para evitar isso, há capacetes das obras à disposição. O professor explica como se faz e Tiago, da C+S de S. Miguel, começa a malhar a torto e a direito. «Isto é fácil, mas faz doer os braços», garante, enquanto todos se desviam à sua volta. Depois da malha, ala para o forno comunitário onde já cheira a biscoitos. Aqui são as meninas que se chegam à frente. Os gulosos também e não têm vergonha de provar a massa com o dedo. Mais abaixo, no Largo do Chafariz, dança-se uma modinha popular, vestidos a rigor. Uma vez mais são as raparigas que dão nas vistas, os rapazes, esses, ficam encostados à parede. «Eles acham que dançar não é para homens», ironiza um professor. Foi quase sempre a andar até ao fim da jornada, que ficou completa com a pintura, jogos tradicionais e outras. Quem não escondeu o entusiasmo por ter 250 crianças em Vila Soeiro, coisa rara numa aldeia com apenas dois pequenos rapazes, era a presidente da Junta. «Vila Soeiro vai sentir a falta de todas estas crianças, mas estou certa de que vamos continuar a falar delas e daquilo que vivemos», disse Madalena Costa, para quem era bom que as escolas viessem até às aldeias, «uma ou duas vezes por ano, para as novas gerações não perderem o contacto com um mundo que está à porta, mas cada vez mais distante».

A autarca também está orgulhosa por a freguesia ter sido escolhida para iniciar este projecto. «É também uma alegria muito grande, porque temos uma população idosa e apenas duas crianças a viver na aldeia», indica, destacando a participação dos habitantes. «Foi muito fácil envolvê-los. Reunimos, apresentámos-lhes o projecto e explicámos-lhes o que queríamos. Só não houve mais gente a participar porque o calor apertou um bocado», refere. Joaquim Pereira, da escola de S. Miguel, e um dos professores envolvidos na organização, não duvida que os conhecimentos dos alunos saíram enriquecidos pelas actividades lúdicas e pedagógicas organizadas nesta jornada. O projecto tem a duração de quatro anos e deverá abranger em próximas edições a totalidade dos alunos escolarizados no agrupamento.

Luis Martins

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