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“Videca”

sinais do tempo

O Sr. Ministro da Saúde, seguindo as pisadas dos seus colegas de governo, decidiu dizer na TV, que também na Saúde havia excedentários. Os factos em que se baseou até podiam estar errados, mas a afirmação estava certa. Espantem-se os milhares de portugueses que não têm médico de família ou os cidadãos que aguardam em listas de espera desesperantes uma intervenção cirúrgica ou os que querem uma consulta breve. Na realidade o Professor Correia de Campos não mentiu, manteve apenas aquele hábito de fazer a primeira coisa que lhe vem à cabeça, como partir cadeiras por exemplo. Desta vez deu o exemplo dos oftalmologistas num hospital lisboeta e enganou-se no número, haveria outros exemplos verdadeiros e mais eficazes para a opinião pública.

Quando se questiona o encerramento de Maternidades por falta de competência técnica ajuizada pelo número de partos por ano, talvez fosse interessante questionar se individualmente um obstetra numa maternidade das grandes cidades faz mais partos do que os colegas de uma pequena maternidade do interior.

Na verdade, há médicos excedentários nos grandes centros. Os hospitais dimensionaram-se em função do número de urgências que efectuavam e do grau de diferenciação obtido. As urgências foram servindo para suprir as deficiências de atendimento nos centros de saúde. Os problemas do centro de saúde passaram a ser resolvidos no hospital. No hospital grande parte do esforço de trabalho semanal (no mínimo um terço do horário semanal, sem incluir horas extra) é consumido nas urgências, mal organizadas e estruturadas, que vão servindo de esponja para absorver as deficiências do sistema.

O número de recém licenciados é finito e aprendem o que sabem na faculdade e no hospital (excepto nas novas faculdades, de que é exemplo a UBI). Por outro lado os hospitais estão ávidos de profissionais jovens e abrem vagas para formação. As especialidades hospitalares são então a primeira escolha. Formaram-se “quintas”, alimentadas pelo ego dos seus directores e das faculdades patrocinadoras. Antes que os hospitais ou os centros de saúde do interior estivessem bem apetrechados de clínicos ou meios técnicos, já estas “quintas” faziam medicina de ponta. E as “quintas” foram-se reproduzindo como coelhos. Apesar dos quadros estarem completos sempre se foi arranjando mais uma diferenciação, permitindo absorver mais uns clínicos.

Não admira então que nos últimos 15 anos o número de médicos hospitalares tenha aumentado em 25 por cento e pelo contrário os centros de saúde perderam 22 por cento. Na Guarda ou em Beja há cerca de 800 habitantes por médico, mas em Coimbra há 129 habitantes por médico. Em Portugal há 3,3 médicos por 1000 habitantes, número muito acima dos ingleses (2,2/1000), superior aos espanhóis, onde há médicos no desemprego ou subemprego e próximo dos franceses.

Percebe agora o leitor a razão pela qual faz parte do clube dos azarados, que não tem médico de família atribuído?

Esperemos agora que o Professor Correia de Campos tenha a terapêutica correcta para uma doença diagnosticada há muito. Esperemos que para justificar a rentabilidade, não resolva esvaziar os serviços do interior que singraram a pulso. Será essa a mobilidade de técnicos de saúde que agora se apregoa como milagre? Haverá coragem para mobilizar médicos do litoral para o interior? Lembro-me de um Ministro que o fez, já lá vão 12 anos. Como me havia de esquecer, foi nessa altura que vim para a Guarda.

Apesar de ser médico não estou mais à vontade do que os demais para escrever acerca deste tema, mas como em tudo na vida se deve aceitar que todos tenham opinião.

Por: João Santiago Correia

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