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Vida (2)

Sinais do Tempo

D de Depressão, D de Défice, D de Desinteresse

Há uns dias atrás estava a passear numa zona comercial, rodeado de gente activa no consumo, com os pensamentos orientados para o novo (velho) discurso da “tanga” made by Durão e retomado por Sócrates e colaboradores, quando reparei que à minha frente duas senhoras discutiam a sua vasta experiência em medicamentos antidepressivos e outros que tais. Foi ao ouvir denominações familiares, que despertei e abandonei aqueles raciocínios complicados dos 21% de IVA e 42% de IRS, além da reforma aos 65 anos e outros para reduzir o défice em menos de 1%. Na realidade a conversa era tão interessante que aguçou a minha curiosidade ou se quiserem a minha coscuvilhice. As duas senhoras falavam com a facilidade própria de psiquiatras acerca dos medicamentos que estavam ou já estiveram a tomar. “Imagina se o X me pôs a língua como a cortiça, então o que terá feito ao meu pobre cérebro” ao que a companheira retorquia: “esse andei a tomá-lo um ano e vi-me aflita para o largar, agora estou a tomar um que não me lembro, mas tenho-me dado bem, se quiseres depois dou-te o nome para experimentares”. A conversa foi continuando e tive que diminuir o passo para acompanhar as senhoras, até porque no momento ia estabelecendo analogias com os nossos governantes e imaginava-os a conversar entre eles acerca da gestão do país e do défice, do tipo: “O Dr. Durão tinha a solução X (aumentar os impostos) e nada melhorou, se calhar ficou com a língua como cortiça, eu proponho a solução X+2 (aumentar mais 2%), talvez resolva quase nada, mas experimento outros efeitos secundários diferentes…”, ao que lhe retorquiam ” eu tenho outra solução de que não me lembro agora, mas que é melhor, depois dou-te o nome”.

No mesmo dia tinha lido que das muitas fábricas que produziam fogões de marca portuguesa, só a Meireles ainda laborava, as outras (que há 20 anos encontrávamos nas nossas cozinhas) deram lugar às importadas. Também outras fábricas fecharam igualmente as portas, marcas portuguesas bem conhecidas e que nos acompanharam ao longo de gerações (a Molin, por exemplo), dando lugar a produtos produzidos fora de Portugal. Na realidade tornámo-nos num país a prestações e de prestação de serviços. A riqueza passou a ser o consumo fácil!

Com o meu olho clínico concentrei-me nas potenciais portadoras de depressão crónica, concluindo pelo aspecto geral e pela forma desenvolta como falavam e a alegria no andar, que não parecia sofrerem de depressão, e mais uma vez pensei no país, olhei à minha volta tomei o pulso do consumo e aferi pelo aspecto geral que o Dr. Durão se enganou e o Engº Sócrates se engana redondamente. O País afinal não precisa de “antidepressivos” porque não me parece estar deprimido, quando muito poderá estar triste ou melancólico. Com tantos pedidos de sacrifícios e apertar de cinto, sem resoluções à vista, é natural que a depressão acabe por chegar.

Voltei aos meus pensamentos dos tais 2% a mais nos impostos, para reduzir o défice e tentar cumprir o pacto de estabilidade imposto pela Comunidade Europeia. Enquanto isso, os Americanos tentam aumentar o emprego e consequentemente a produção. Para mim, pensador primitivo em matéria de economia, a única forma de aumentar as receitas é produzir e consumir. A dissociação deste dueto não interessa.

Depressão? Défice? Ao olharmos à nossa volta, já ninguém acredita no diagnóstico, quanto mais na terapêutica.

Por: João Santiago Correia

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