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Victor o Cego

Bilhete Postal

Victor era um microbiologista que ficou célebre porque só dava resultados positivos de infecções quando a cultura mostrava bactérias do tamanho de lagostas, ou saltitantes como coelhos. O mesmo Victor investigou os alicerces da ponte de Entre-os-Rios e percebeu que a sua dúvida era razoável no enterro dos que com ela caíram. Foi mais tarde indicado para governador do Banco de Portugal e teve dificuldade em perceber que havia um Banco Insular que era fraudulento e um Banco Privado Português que era, afinal, de gatunos e um BPN que era uma corja de ladrões. Victor não tinha qualquer problema porque era sempre um tipo sério e verdadeiro, o seu mal era a ausência de malícia. As suas certezas tinham de ser maiores que as dos outros. Eu não julgo e não levanto falsos testemunhos, dizia. De facto, a evidência tinha de ser consistente e gigante para ele tomar decisões ou levantar suspeitas. Victor achava que o seu amigo Loureiro podia não se lembrar de assinar cheques de 30 milhões, ou autorizações que davam lucros a rodos. Victor não compreendia a dúvida sobre os 60 milhões do negócio dos Cimentos com a Caixa Geral de Depósitos. Assim, Victor continuou Conselheiro de Estado e voltou à Microbiologia. Nessa altura, afirmar uma cultura positiva, só se fosse com o tamanho de um bezerro ou de um cão. Foi nessa altura que lhe colocaram óculos e Victor teve uma epifania: eu vejo melhor assim, exclamou espantado. Victor, afinal, não era desprovido de malícia ou de dúvidas, Victor era gravemente míope. A Associação de Cegos de Portugal chamar-se-á um dia com o seu nome.

Por: Diogo Cabrita

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