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NO SÉCULO XX, em 100 anos de História de Portugal, apenas três Governos cumpriram em democracia um mandato completo.

Os outros caíram antes de tempo em consequência de revoluções, demissões, manifestações ou crises políticas ou económicas.

Os três Governos que completaram os mandatos foram os dois de Cavaco Silva com maioria absoluta e o primeiro de António Guterres.

E, se considerarmos que esse Governo de Guterres já não tinha maioria e beneficiou muito da estabilidade que vinha de trás, a situação ainda é mais preocupante.

ISTO conduz-nos a uma primeira grande conclusão: o principal problema de Portugal é a instabilidade política.

Sem estabilidade não se constrói nada.

Ora a estabilidade defende-se, em primeiro lugar, cumprindo regras e criando hábitos.

Um deles é a realização de eleições legislativas de quatro em quatro anos.

Isto terá de entrar nos hábitos dos portugueses.

Subverter os prazos, cair na tentação de recorrer constantemente às urnas, conduzirá inevitavelmente ao abismo em que a I República se afundou.

E a verdade é que estamos outra vez à beira disso: depois da aparente estabilidade conquistada no cavaquismo e nos primeiros anos do guterrismo, o Governo anterior já só durou dois anos e este corre o mesmo risco.

Onde é que isto vai parar?

DESDE que se soube da ida de Durão Barroso para Bruxelas todos têm contribuído para a instabilidade política.

Contribuiu o PSD – cujos dirigentes, que deveriam manter-se silenciosos, começaram a disparar em várias direcções dando um péssimo exemplo de imaturidade e falta de contenção.

Manuela Ferreira Leite, Marques Mendes, Luís Filipe Menezes, outros mais, vieram a público deitar gasolina no fogo.

Contribuíram, também, os partidos da oposição.

Não se esperaria grande coisa do PCP e do BE, que são partidos anti-sistema e jogam no «quanto pior melhor».

Mas o PS deveria ter uma posição mais responsável, não clamando por eleições, ainda por cima sabendo que a situação no seu interior está longe de ser estável e que o seu líder tem muito poucos apoios internos.

Contribuiu, finalmente, o Presidente da República.

Quando deveria ser um referencial de serenidade, Jorge Sampaio teve uma atitude um tanto infantil ao fazer questão de vir lembrar que é ele quem manda, que é dele a última palavra.

Ora um Presidente não precisa de o lembrar: o poder não se propagandeia, exerce-se.

Depois, não se percebe que um Presidente da República precise de ouvir tanta gente para tomar uma decisão sobre um assunto em relação ao qual já deveria ter opinião formada.

A demissão de um primeiro-ministro é uma situação previsível.

Será que Sampaio nunca tinha pensado nela?

A chamada de tanta gente a Belém, longe de contribuir para o esclarecimento do país, só baralha ainda mais as coisas e faz crescer as especulações.

NÃO é preciso ser génio para reflectir de forma lógica sobre a situação criada pela demissão de Durão Barroso.

Primeiro, há uma maioria no Parlamento que não se autodissolveu e, portanto, constitui uma base estável para um Governo: a maioria PSD/CDS.

Segundo, o PSD tinha um vice-presidente que, na ausência do líder, assumiria naturalmente a liderança do partido mesmo sem necessidade de convocar um Conselho Nacional: Pedro Santana Lopes.

Terceiro, o Governo tem um número dois que, na ausência do primeiro-ministro, assume naturalmente a liderança do Executivo: Manuela Ferreira Leite.

A solução imediata para fazer face à ida de Barroso para Bruxelas seria pois: Santana à frente do partido, Ferreira Leite à frente do Governo.

Mas trata-se, obviamente, de uma solução transitória.

Para se passar daqui a uma situação duradoura o PSD deverá reunir o Congresso – e a direcção que for eleita tomará então a decisão que entender: ou confirma Ferreira Leite como primeira-ministra ou propõe outro nome ao Presidente da República.

SERÁ isto assim tão complicado?

E justificará tanta excitação, tanta agitação, com manifestações à porta de Belém e provas de força – ignorando que a democracia faz-se do cumprimento de regras, do respeito por formalismos, e não de decisões tomadas com base na força da rua?

Se não formos todos um pouco mais reflectidos e ponderados – e aqui englobo os líderes de opinião, os líderes partidários, o próprio Presidente da República -, Portugal arrisca-se a cair de degrau em degrau, sem se saber onde poderá acabar.

O perigo é enorme.

Por: José António Saraiva

Director do Expresso

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