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«Vejo com bons olhos a eventual integração dos politécnicos numa grande universidade do interior»

Três meses depois de tomar posse como Reitor da Universidade da Beira Interior, António Fidalgo fala dos problemas de financiamento do ensino superior e da necessidade de uma política de descriminação positiva para o interior. O professor Catedrático defende uma aproximação da UBI com o IPG e o IPCB sobre a forma de cooperação reforçada, até porque a “união é que faz a força” e acredita que daqui a dois anos poderá haver «uma grande universidade» nas três cidades da Beira Interior

P – Qual o retrato que faz da UBI desde que chegou à reitoria?

R – É um regresso ao edifício da reitoria, onde estive como vice-reitor em 1996/97 e parte de 1998. É uma universidade muito diferente até porque entretanto surgiram duas novas faculdades e a universidade alargou-se em termos de áreas científicas e dispersou-se geograficamente. A atenção particular durante estes três meses foi a captação de alunos. Vivemos um tempo grave que é de contenção económica e isso faz-se sentir muito e os problemas sociais refletem-se nas inscrições, mas felizmente a captação correu bem. Envolvemo-nos depois com as eleições para todos os órgãos, tivemos eleições nos departamentos, nas faculdades e estamos com avaliação das unidades de investigação e, portanto, trabalho não tem faltado…

P – Encontra a universidade com otimismo ou o problema da demografia que começa a assolar todo o país e em especial o interior está a provocar algum nervosismo?

R – Nervosismo não, mas preocupação sim e isso vai-se refletir nos números. A equipa reitoral está consciente disso e a questão passa pela atração de alunos de todo o mundo.

P – Qual é o caminho que preconiza?

R – São vários. Neste momento já há dentro da universidade grupos interessantes que atraem alunos de todo o mundo. Nomeadamente na área das Engenharias temos alunos da Ásia, que é uma entrada relevante. Claro que há cursos que não o permitem porque ficam completamente cheios com os candidatos nacionais que têm sempre preferência sobre os outros, isto ao nível do primeiro ciclo. Mas ao nível do segundo e terceiro ciclos já temos muitos estrangeiros e até mesmo na área da investigação temos alguns pós-doutorandos.

P – O secretário de Estado do Ensino Superior disse recentemente que iria estudar a possibilidade de as propinas para os estudantes no interior terem uma majoração. Esse pode ser um caminho?

R – Podemos fazer isso mas penso que essa maneira é um pouco de ficar pelas bases porque esses alunos normalmente têm dificuldades económicas e não são os melhores.

O que acho que é mais importante é haver aqui fortes investimentos do Governos central no interior. Não é só para se resolver o problema direto das instituições de ensino superior, mas é com investimentos empresariais que tragam gente nova e que necessitem de pessoal qualificado e aí sim, se esse pessoal qualificado for jovem, tiver filhos para dinamizar as escolas da região e colocar novos patamares de exigência ao ensino básico e secundário. O que acontece muitas vezes é que temos aqui postos de trabalho mas as pessoas continuam a residir no litoral e depois vêm aqui para fazer o seu trabalho mas deixam a família em Lisboa, Porto ou litoral e isso porque o ensino, as condições de vida lá serão melhores. Ora, se tivermos aqui um ensino secundário de grande qualidade isso é motivo para as pessoas também virem para aqui morar – e isso já acontece. Uma empresa de software aqui no interior pode contratar um engenheiro informático licenciado por 800 ou 900 euros, o que não dá para viver ou dá para viver muito mal em Lisboa, ao passo que aqui no interior já vive razoavelmente. Veja-se o caso da Altran no Fundão. Portanto, é esse modelo que temos que seguir, de atrair investimento e não só diretamente para as instituições de ensino superior mas para toda a região. A coesão territorial é extremamente importante e isso passa por uma discriminação positiva no interior.

P – Quais têm sido as prioridades do novo reitor nestes 90 dias?

R – A questão é fazer melhor aquilo que estamos a fazer bem e isso é o ensino-aprendizagem e a investigação. Apesar de tudo, das dificuldades económicas e da gestão do dia-a-dia, a missão da universidade é a de formar cientifica e tecnologicamente os seus alunos. Esta é a questão principal, é uma comunidade de saber e a minha preocupação aqui na universidade ao longo deste tempo é trabalhar para esse objetivo promovendo o espírito de comunidade académica. Tenho procurado fazer uma maior aproximação da reitoria à comunidade académica, a abertura de espaços sociais ao nível de professores, também de uma maior ligação aos funcionários, na mudança de serviços, estamos a fazer uma revolução tranquila ao nível dos serviços da universidade . Tem-se procurado que as pessoas vistam a “camisola”, sentirem que pertencem à universidade, que todos são chamados a cooperar, ou seja, envolver e responsabilizar todos. Seja ao nível de serviços académicos, seja nos serviços técnicos ou a nível de professores.

P – Como vê o constante emagrecimento do financiamento que o Estado concede às instituições de ensino superior e como é que a UBI tenciona fazer face aos constantes cortes?

R – O que está a acontecer é uma situação preocupante. Os reitores consideram que já se ultrapassou o limite, nomeadamente agora com o orçamento no próximo ano que significa menos 30 milhões de euros para o ensino superior e ainda temos as cativações deste ano que são 10 milhões. Portanto, estamos a falar de 40 milhões que já estão para lá do limite e isso é indubitável. No caso da UBI, isso significa 1,5 milhões de euros de cativações deste ano que ainda não sabemos se efetivamente serão ou não descativados porque mesmo no seguimento da reunião do CRUP com o primeiro-ministro a 26 de novembro ainda ficou tudo no ar. Nós continuamos a exigir a descativação dessas verbas, até porque nos fazem falta. No pagamento do subsídio de Natal tivemos uma retenção de 500 mil euros; nós temos uma massa salarial de dois milhões de euros por mês, o governo mandou-nos 1,5 milhões de euros.

P – Como é que faz face a essas dificuldades?

R – Começando já a entrar nos saldos. É a única hipótese que temos. Ou seja, neste momento já não conseguimos cobrir os custos com aquilo que recebemos do estado. Só para se ter uma ideia, neste momento, nós recebemos 22 milhões de euros, quando estavam inicialmente previstos 23 milhões para 2014 e temos custos salariais na ordem dos 27 milhões de euros. Ou seja, temos de recorrer a verbas próprias para pagar essa fatia importante que falta.

P – É uma situação insustentável?

R – Não é insustentável. Se conseguirmos organizar receitas e obviamente que as propinas são uma parte importante, mas nós temos de nos candidatar a projetos, gerar receitas na prestação de serviços. Mas as universidades têm que fazer aquilo que fazem, e que é o cerne da sua missão, que é ensinar e investigar. E isso não conseguimos fazer sem haver uma prestação condigna por parte do Estado porque as universidades estão limitadas constitucionalmente nas verbas que podem exigir. Portanto, a situação torna-se difícil, neste momento estamos num ponto crucial em que o desinvestimento a partir do Orçamento de Estado relativo ao ensino superior tem sido enorme.

P – Qual a resposta ao mercado?

R – No mercado temos dois significados, desde logo a resposta à procura dos alunos, mas o mercado é também empregabilidade e existe essa preocupação obviamente. Hoje em dia não encontramos desemprego a nível de engenheiros informáticos por exemplo e mesmo os engenheiros civis podemos falar de um problema em Portugal, mas um engenheiro civil encontra trabalho em qualquer parte do mundo e hoje em dia as pessoas têm que se habituar a trabalhar em qualquer parte. A ideia não é enviar os nossos jovens para fora. A ideia é permitir o intercâmbio e isso é muito positivo mas os jovens têm de ser capazes de procurar o seu trabalho em qualquer parte. Penso que estamos a formar estudante diplomados muito qualificados que são capazes de singrar em qualquer parte do mundo e isso é o que a experiência tem demonstrado mas o melhor é que nós tenhamos aqui esses jovens porque eles é que permitem dar um salto qualitativo na economia nacional. Portanto, não vamos enviar jovens qualificados para o exterior ficando com uma população envelhecida no país.

P – Em termos de infraestruturas, a UBI está bem servida?

R – Em termos de infraestruturas a universidade está muito bem equipada. Isso é inegável. Em termos de espaços e laboratórios a universidade está muito bem, agora nós precisamos é de investir nos recursos humanos e aí tem havido alguma falha de investimento. Claro que é também a questão deste decréscimo de procura. Essa falta de investimento está nomeadamente na qualificação do pessoal docente. Temos que caminhar para as médias nacionais de professores associados e catedráticos. Estamos aquém ainda da média nacional e gostaríamos de lá chegar, pelo menos com 30 por cento de professores associados e catedráticos no médio prazo. É um desafio mas também um compromisso do reitor. Obviamente que isto está condicionado pela parte orçamental porque um professores catedráticos custa mais do que um professor auxiliar.

P – Como está a execução do projeto UBI Medical?

R – O projeto tem tido dificuldades por causa dos empreiteiros. Tivemos dois empreiteiros, a obra foi dividida em duas fases, o que parece que não foi a melhor solução e devia ter sido só um empreiteiro. Um empreiteiro está em falência, tem um administrador judicial mas apesar de tudo continuamos com inspeções periódicas a tentar terminar a obra ainda dentro do ano corrente. Pensamos que em janeiro teremos a obra pronta mas depois obviamente vem toda a parte das ligações finais que é necessário fazer.

P – E o UBI Multimedia?

R – Mais do que um plano, era uma intenção do professor João Queiroz, o meu antecessor. Mas a questão é agora nós estarmos atentos às possibilidades que o novo Quadro Comunitário de Apoio nos apresenta e a minha atenção e da reitoria vai para haver uma forte ligação à sociedade envolvente, nomeadamente às autarquias, à parte das associações empresariais, ao mundo empresarial para concorrermos a projetos. A Região Centro vai ter mais dois mil milhões de euros e a UBI vai-se posicionar como um forte ator na procura e no investimento desses dois mil milhões de euros na região.

P – Do ponto de vista do futuro do ensino superior na região, muito se tem falado na possibilidade de aproximação ou mesmo integração dos Politécnicos da Guarda e Castelo Branco na UBI. Qual o ponto da situação?

R – Desde o meu discurso da tomada de posse que aposto muito numa cooperação estreita e no estreitar de relações com as outras instituições de ensino superior na região, não só com os politécnicos mas mesmo com as outras universidades. Concretamente em relação aos politécnicos, o interesse é que haja esse estreitamento de relações que pode ir até inclusive ao caso do mito da integração. Neste momento, o regimento das instituições de ensino superior não prevê a fusão, isso é apenas para universidades. Aqui prevê a integração de escolas politécnicas numa universidade e portanto isso será algo normal e já previsto na lei. Eu vejo com bons olhos, vejo positivamente uma maior aproximação e eventual integração dos politécnicos numa grande universidade do interior porque isso dar-nos-ia os benefícios de escala, de capacidade, de força política junto do governo e junto da sociedade. Agora, é um desenvolvimento que se faz com muito diálogo e nunca a curto prazo. Quando se fala na reorganização, fala-se muito na racionalização, cortar custos, etc. Eu vejo essa reorganização sobretudo como um investimento que tem que ser feito na região e portanto em vez de diminuir o número de estudantes é de aumentar o número de estudantes. Esta reorganização e esta parceria entre Universidade e os Politécnicos fará sentido se os politécnicos beneficiarem e se a universidade beneficiar. Eu concebo a universidade como uma Universidade da Beira Interior, não uma universidade da Covilhã e portanto a ideia é potenciar o que de melhor existe, seja na Guarda, em Castelo Branco ou na Covilhã e só assim fará sentido porque só assim haverá disponibilidade das outras partes para cooperar com a universidade. Os politécnicos têm de oferecer um ensino profissionalizante mais ligado às empresas, nomeadamente, agora fala-se muito no ensino superior curto de dois anos financiado até pelos fundos comunitários. Penso que isso é uma grande oportunidade para os politécnicos apostarem no serviço superior curto, os chamados cursos superiores de especialização e de certa forma que vêm no seguimento dos CET’S e portanto isso é uma grande oportunidade de os politécnicos captarem população estudantil e poderem dar o seu contributo para uma reindustrialização do país e da região.

P – Como é que se poderia processar essa dinâmica, tendo em consideração que há três polos?

R – Há um bom documento de trabalho que o Politécnico da Guarda me enviou e que apresentei ao Conselho Geral na passada sexta-feira. É um documento de trabalho, é um ponto de partida e uma eventual associação nunca será feita em menos de dois anos. Nunca será um processo de curto prazo, será um processo de médio e longo prazo e que obviamente teria de ter um grande respaldo, e isso é fundamental, por parte da tutela. Se o ministério da Educação e da Ciência não respaldar uma decisão destas nós teremos muita dificuldade em avançar.

P – Entende que teria sido preferível ser o Governo a liderar o processo e a impor o novo modelo?

R – Eu sempre disse que é melhor nós entendermo-nos do que receber ditames por parte da tutela. É isso que está a acontecer. E isso significa que tem de haver uma clara decisão e um maior investimento por parte do governo central nas instituições de ensino superior do interior e isso é fundamental. Senão estamos a juntar dificuldades com dificuldades e eu penso que conseguirmos encontrar uma plataforma comum seria um ponto de partida para iniciar um processo que tem que envolver a tutela. Cabe às instituições de ensino superior na região avançarem com propostas, mas o que eu espero da tutela é que haja a boa vontade para responder de uma forma positiva e não apenas para aqueles ganhos a curto prazo de racionalização, isto é, de redução do investimento do ensino superior do interior.

Estamos aqui num processo de definhamento e é justamente para inverter esse processo que temos de agir e agir é juntarmo-nos para sermos mais fortes, divididos somos muito mais fracos.

P – Como encara essa ligação mais intensa aos Politécnicos da região?

R – Eu tenho falado com os presidentes dos politécnicos mas a questão transcende os presidentes dos politécnicos e o reitor da universidade. As decisões depois cabem ao conselho geral e aqui tudo depende muito da reação que haja por parte da tutela. Isso é extremamente importante. Não é necessário que para essa cooperação reforçada entrem todos. Pode começar por duas instituições a que depois se agregue uma terceira ou quarta e assim sucessivamente. De facto, neste momento há já um documento de trabalho posto em cima da mesa pelo Politécnico da Guarda. Eu já o qualifiquei como um documento positivo que serve como ponto de trabalho, o reitor não concorda com todas as propostas que lá estão, mas provavelmente o contrário também é verdade, ou seja também todas as propostas da universidade não serão do agrado do politécnico. Neste momento, o que eu quero reafirmar é que entendo o interesse vital que o ensino superior representa para a Guarda e para Castelo Branco e que o objetivo dessa cooperação reforçada não é diminuir essa importância no ensino superior mas é aumentar e reforçar o ensino superior nas duas cidades e portanto dá-lhe uma maior consistência do ponto de vista científico e tecnológico.

P – O bairrismo e a ideia de que a UBI, tal como a conhecemos, pode ter uma preponderância poderão ser uma ameaça?

R – A questão não é haver uma preponderância, porque eu penso que havendo uma grande instituição do ensino superior, havendo uma grande UBI aqui na região, isso significaria que a Guarda e Castelo Branco lucrariam porque também poderiam oferecer ensino universitário. Ou seja, neste momento oferecem ensino politécnico mas o que é um facto é que nós já temos parcerias celebradas com o politécnico da Guarda ao nível de mestrados e daqui amanhã poderemos fazê-lo ao nível de doutoramentos (já foi tentado). Esta presença do ensino universitário nas três cidades seria uma mais valia para a Guarda e Castelo Branco. A questão é que fundamentalmente tanto a Guarda como Castelo Branco vejam este esforço de aproximação das instituições de ensino superior como algo positivo e não como uma ameaça, isso é o pior que pode acontecer e lá vêm os bairrismos ao de cima e isso irá com certeza berrar todo e qualquer trabalho que se faça no sentido de uma cooperação. A única maneira de combater o definhamento progressivo a que parece que estamos condenados é unirmo-nos para ficarmos mais fortes e reivindicar aquilo que temos direito.

P – Quando pensa que a solução a encontrar poderá ser implementada efetivamente?

R – Isto será sempre um trabalho para médio longo prazo, nunca para curto prazo. Eu aceito a proposta do IPG de criar uma comissão na qual se juntassem personalidades exteriores às duas instituições para estudar a forma dessa integração ou associação.

P – Se isso não avançar, o que poderá suceder ao ensino superior na região?

R – O ensino superior na região tal como os números indicam e a demografia aí é impiedosa é que nós caminhamos para um definhamento contínuo. Temos uma população extremamente envelhecida, temos uma natalidade extremamente baixa e se nada fizermos as instituições terão problemas.

P – Com a CIM das Beiras e Serra da Estrela a universidade pode ser também uma ponte entre a Guarda e a Covilhã?

R – As duas instituições. O IPG e a UBI podem contribuir para essa aproximação e esse deverá ser o caminho. Eu sou otimista e acredito que estamos já na parte ascendente, que já batemos no fundo mesmo em termos de crise económica e que neste momento vamos começar a crescer. Agora, o aspeto demográfico é mais complicado porque é de mais longo prazo, os ciclos são muito mais longos e neste momento temos aqui um ciclo demográfico terrível onde ainda não batemos no fundo.

Luís Baptista-Martins e Ricardo Cordeiro

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