Como já tivemos a oportunidade de referir nesta coluna, e igualmente noutros trabalhos, o conceito de património não se circunscreve, atualmente, à conceção que prevalecia há algumas décadas atrás, identificando-se, então, com as coleções de pintura, as esculturas, os castelos e os palácios.
A noção de património sofreu, inquestionavelmente, uma profunda mudança, influenciando, de modo decisivo, a própria consciência histórica e outrossim a reflexão em torno da sua interligação com a memória e a identidade.
Uma convergência, aliás, destacada por Jaccques Le Goff, em “Patrimoine et Passions Identitaires”, quando sublinha que “o património não é mais o que era” passando a integrar territórios que vão muito além do sentido restrito da palavra; já não territórios meramente geográficos mas “novos territórios, territórios do imaginário, laços de memória”.
Para Pierre Nora, o património tornou-se, aliás, uma das palavras-chaves da consciência histórica contemporânea.
A problemática do património cultural assenta, na atualidade, numa visão mais alargada e enriquecida por uma profunda relação com a história. A sociedade hodierna, com um maior grau de cultura, exige um melhor uso social do património, globalmente entendido. Uma postura que, com alguma contradição, evolui perante o desleixo e a indiferença de muitos perante a memória…
No nosso país, como é do domínio público, são numerosos os exemplos de destruição do património e da descaracterização de sítios e lugares de inegável importância histórica, arqueológica ou paisagística.
A insuficiência dos recursos financeiros tem sido, normalmente, o argumento utilizado pelos dirigentes políticos que passam ao largo do debate sério sobre as questões da cultura e do património, salvo quando a mediatização dada a casos concretos obriga à teorização de estratégias conjunturais, raramente aplicadas com a eficácia desejada.
Por outro lado, os interesses imobiliários contribuíram, em larga escala, para profundas ruturas com a especificidade das localidades (com maior ou menor passado, e cujo interesse não se pode reduzir, pura e simplesmente, às suas formas materiais) e acelerado o desaparecimento da arquitetura tradicional e das construções que eram marcos simbólicos de um tempo e de um lugar.
Lutar para que não se perca a memória é um ato de salvaguarda da nossa própria identidade; esse esforço pode ser desencadeado através de múltiplas fórmulas.
Na Guarda, por exemplo, os Passos à Volta da Memória têm constituído uma interessante e apreciada iniciativa. E nestes meses de Verão está a ser reeditada uma ação que contribui, inquestionavelmente, para a (re)descoberta da cidade, convidando os participantes a viajarem pela história sempre com o olhar sobre presente…
Para além dos seus principais objetivos, os percursos, para os quais são convidadas as pessoas, permitem um olhar atento sobre recantos e encantos desta cidade; de que muitos se alheiam, troçam ou preferem ignorar…contudo, esta cidade respira história e tem muitas estórias para contar, em cada rua, em cada placa toponímica (muitas estão degradadas). Esta cidade tem espaços que convidam a uma diferente vivência, à sua fruição plena, a um profundo enriquecimento cultural; aliás estas visitas encenadas são isso mesmo e um reencontro de passado e presente.
Quando projetos como este têm subjacente um texto equilibrado, leve, cativante, fundamentado factual e documentalmente, representado com emoção e profissionalismo, enquadrado pelo trabalho de uma equipa consciente da importância destas ações para a promoção da cidade, é compreensível o apreço e a satisfação registada no final da visita.
Uma iniciativa que representa também um apelo à sensibilidade cívica, cuja importância no processo de defesa e salvaguarda do nosso património histórico-cultural não pode ser olvidada.
Por: Hélder Sequeira
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