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Valhelhas, o último reduto da gastronomia serrana

Antiga vila serrana tem dois restaurantes de referência no concelho da Guarda

O turismo gastronómico tem cada vez mais adictos e os locais de referência não enganam, permitem degustar produtos e paladares que não esquecem. O prazer de comer leva cada vez mais pessoas a calcorrearem quilómetros à procura dos melhores sabores. Os guias de viagem enumeram os mais diversos restaurantes, casas de pasto, tascas ou tabernas onde o cheiro da cozinha manda e a conquista se faz pela barriga.

As estrelas Michelin classificam o gosto e anunciam os melhores sabores – infelizmente nenhum na região (o “Casas do Bragal” chegou a merecer referência, com “três talheres”, no famoso guia francês, mas entretanto encerrou na Guarda para fazer prova de vida em Coimbra); os prémios The World’s 50 Best Restaurants elegem a melhor seleção mundial da restauração, com a escolha de mais de 900 especialistas de todo o mundo – o algarvio “Vila Joya”, de Albufeira, é o único restaurante português (22º) na lista dos melhores do mundo, num ranking “dominado” pelo dinamarquês “Noma”, e secundado pelo El Celler de Can Roca, da Catalunha, a região gastronómica número um do mundo, depois do longo reinado do já encerrado El Bulli de Ferran Adrià.

Por cá, o guia “Boa Cama, Boa Mesa”, do EXPRESSO, outorga aos melhores restaurantes os garfos de platina e ouro e aos hotéis a chave de platina e ouro como forma de reconhecimento de qualidade, serviço ou categoria. Entre os melhores, nos últimos anos, a lista tem incluído as “Casas do Côro”, em Marialva, o conhecido projeto de Carmen e Paulo Romão que recebe cada vez mais visitantes das mais diversas latitudes para desfrutar das ruínas da aldeia histórica de Marialva, da paisagem do Alto Douro, dos Patrimónios Mundiais do Alto Douro Vinhateiro e do Vale do Côa, ou do perfume dos melhores vinhos produzidos nas adegas da Mêda e de Foz Côa.

A “festa de sabores” do Vallecula

Sem referência nas “bíblias” mundiais de gastronomia, mas considerado como «a Festa de Sabores» pelo “Mapa da Esperança – 30 Bons Sinais em Portugal”, do EXPRESSO, o “Vallecula”, em Valhelhas, concelho da Guarda, é cada vez mais uma referência na arte de bem servir comida com sabor caseiro, com um requinte que surpreende e onde a tradição serrana está sempre presente. Luís Castro domina com distinção a sala de jantar enquanto deambula por entre as mesas e da cozinha chega o cheiro às ervas aromáticas com que Fernanda Costa hipnotiza os provadores, porque ir ao “Vallecula” é provar a comida de sempre feita com arte, paladares tradicionais e alguma influência da culinária francesa, «um bom casamento». «Nasci a cozinhar», assevera Fernanda, na intrépida infância no Minho natal, «o jeito» destapou-o na França adotiva, mas os sabores, essa “festa” que surpreende, vem nas receitas esquecidas pelo tempo, que na antiga vila de Valhelhas ainda vão temperando os cozinhados com ervas frescas da serra. «Cozinha simples, bom azeite, alho e cebola», tudo produtos caseiros, a que acrescenta o «savoir-faire» e algumas ervas do vale do Zêzere, «porque esta terra dá-nos tudo» da feijoca à maça, de que faz o doce que acompanha o pato lacado à antiga ou o lombo marinado com limão e ervas, depois grelhado. E há o serpão, erva pouco utilizada por outras gastronomias, mas que Fernanda utiliza em tudo, como também o tomilho «pois não uso louro, nem faço marinadas que isso esconde sempre qualquer coisa e muda os paladares». O “borrego na carqueja” e a suculenta “bochecha de vitela” com arroz branco com passas e puré de maçã exibem-se para deleite dos comensais, enquanto passa o “galo estufado à moda antiga”, guloso e rico em sabores, feito como antigamente, mas saboreado como nunca.

Do Soadro ao Zêzere

Ali, no sopé da Estrela, junto ao Zêzere, no centro da aldeia, que já foi vila, e hoje tem na gastronomia o tempero de um turismo que vem de todo o lado, para ir à Serra e a Manteigas, e que para em Valhelhas para comer – ou vem a Valhelhas para comer e aproveita para ir a Manteigas e à Serra… O “Soadro do Zêzere” é o “outro” restaurante de Valhelhas. Com salas que se espalham pela casa e sabores de tradição que dominam os paladares em todos os cantos da casa. Come-se de tudo, e até se pode beber vinho de Valhelhas… A frescura do Zêzere perpassa o ambiente, mas é o odor dos refugados quem domina a sala. Degustar a Morcela da Guarda ou as trutas do Zêzere antes de saborear o cabrito assado é uma obrigação genuína de qualquer “boa boca”.

O turismo gastronómico como opção

A boa comida é o argumento em Valhelhas para atrair visitantes. Os produtos da região, a gastronomia local, a arte da culinária e o bom ofício dos profissionais dos dois restaurantes da aldeia são os ingredientes para fazerem desta localidade um caso exemplar no turismo do interior. Há dias, Robert Kassous, jornalista francês, editor da secção turismo da revista “Le Nouvel Observateur”, foi testemunha da “festa de sabores” que se serve no restaurante “Vallecula”. Aquela revista francesa vai produzir um especial de 10 páginas sobre o interior de Portugal, numa das suas próximas edições, e Valhelhas vai ter o seu lugar, como terra de tradição, com muita história e boa comida.

Luis Baptista-Martins Fernanda Costa, a “chef” do Vallecula, e Robert Kassous, do “Le Nouvel Observateur”, no dia em que o jornalista francês provava os sabores e aromas de Valhelhas

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