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Utopia

SARA QUELHAS (12º C), 3º LUGAR DO PRÉMIO RIACHO 08/09

Passado. Naquele tempo inolvidável os teus olhos seguiram-me, o teu sorriso tocou-me – senti-me capaz de alcançar o céu, contigo. Eras o paraíso na Terra, a praia no deserto, um raio de luz na escuridão que me procurava engolir. Julguei-te insigne, inabalável, imortal, impoluto – perfeito para mim, ideal para um futuro “nós”.

Na minha busca insaciável por ti, caminhei por ruas tumultuosas na esperança de te ver; calquei pisos mortos e vales cerrados, conjecturando um encontro que pensei inevitável – procurei-te ininterruptamente, sequiosa dos nossos destinos entrelaçados.

Aproximavas-te do meu mundo sem te aperceberes, transformavas-te na realidade por que tanto ansiara. Finalmente percebia o que era o amor, ou aquilo que os teus olhos me davam a conhecer como tal. No entanto, as nossas linhas pareciam demasiado afastadas, paralelas; incapazes de se cruzar, de formar um ponto comum. Mas eu acreditava que isso ia acontecer, era uma questão de tempo.

Contudo, o tempo foi passando; fugiu-me por entre os dedos, submeteu-me a seu bel-prazer – metamorfizou-me, arrastou-me, reduziu-me a pó. A tua presença tomou-se cada vez mais ténue, inconstante, fugaz, … mas gradualmente mais imprescindível. Sem ter consciência (sem querer) transcendeste-me, tornaste-te a minha droga, o meu único abrigo, a totalidade que me preenchia.

Ansiava um olhar, um simples sorriso, um mísero toque – (des)esperava por uma migalha da tua atenção, por uma doce palavra que me completasse. O que era meu era teu, o que julgava certo corrompera-se em detrimento do que me davas a conhecer. Uma miscelânea de sentimentos incompreensíveis sufocava-me e eu sofria por não te ter como idealizava constantemente.

Então adormecia para poder sonhar contigo, morria intrinsecamente para me imaginar eterna a teu lado. Só que de pouco ou nada me servia, pois continuavas no teu pedestal – inquebrantável, distante. Chamava-te e tu não me ouvias; procurava-te e tu desviavas os teus olhos – brilhantes, apelativos, cativantes, meus.

Longe de ti, não sabia o que era respirar. Eras a razão da minha existência, a idealização perfeita de uma união platónica – eras tu, mas isso não (me) chegava. Havia sempre uma lacuna por preencher, um obstáculo por ultrapassar – a barreira entre o sonho e a realidade parecia intransponível. Um”nós” tardava em chegar.

Quando te começaste a afastar abruptamente, tive que te confrontar e acabei por descobrir que alguém te tinha contado o que eu nutria por ti. Nada mais cruel do que sentirmos que o rumo da nossa vida foi decidido por alguém que não tinha esse direito. Mas o pior foi a tua atitude.

Fraqueza de alma, a pior de todas. Defendias que tinhas medo de me magoar – o que me feria mais do que qualquer seta; doía não te ter como desejava, mas ainda mais não te ter de maneira nenhuma. Era essa a dura verdade, egoísta e austera – não queria viver sem ti. Mas tu afastavas-te cada vez mais.

Desse modo, fui forçada a tentar esquecer-te; contudo, há feitos que somos incapazes de cumprir porque somos demasiado masoquistas. Na realidade, não me sentia como era, quem era, ou o que era – porquê? Nem eu sei, contigo tudo perdia o sentido, a razão de ser – mudavas o que te rodeava, (re)construías o meu mundo. Esquecer-te? Não conseguia.

A vida, essa, continuava a passar; e eu sofria, chorava, andava perdida, fora de mim – morria (in)conscientemente por causa daquela maldito “nós”, que me catapultava para uma nova realidade, algo mais. Apesar disso, prometi a mim mesma que seria superior ao que sentia por ti, porque isso me matava lenta e dolorosamente. Ainda mata.

Talvez. Pois, talvez um dia eu acorde, me esqueça de ti; ou então, padeça de tanto me mutilares, me crucificares nesta atmosfera sem fim. És a minha obsessão, o meu refúgio, a minha alma, o meu ser – as palavras de pouco valem quando penso em ti. Nada se adapta, nada me desperta para a realidade que habito, pois, interiormente, vivo em ti …

Aqui fiquei, uma vez mais. O meu âmago carece de ti, os meus lábios têm sede dos teus … Somos um nada, aquilo que delineei morreu antes de se consolidar; mas tu, para meu bem ou mal, continuas a ser o meu ‘tudo’. Assim sendo, ainda espero por ti, sentada à beira-mar, olhando o vazio, na esperança de te ver correr para mim. “O futuro é incerto”, dizes; mas eu já nem te ouço, não te olho nesses olhos idílicos, não sufoco por esse sorriso só meu.

Tudo se resume a um final inacabado. Ao fundo, o horizonte – nem um sinal de ti. Ansiei aquela tua vinda prometida, um ponto final neste infinito devaneio, mas não chegou. Morri. Aquele paraíso (só nosso) perdeu todo o significado; julguei-te único mas, no final, foste apenas mais um.

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