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Urgências 24 horas por dia no Hospital da Guarda ameaçadas

Director clínico teme impacto do anúncio do ministro da Saúde de que os médicos vão deixar de ser obrigados a fazer horas extraordinárias

O Hospital da Guarda poderá vir a deixar de ter médicos para trabalhar no serviço de Urgências 24 horas por dia em certas especialidades. Este é o pior dos cenários traçados por Luís Ferreira, director clínico do Sousa Martins, quando confrontado com as declarações de Correia de Campos, ministro da Saúde, que na semana passada afirmou que os clínicos vão deixar de ser obrigados a fazer horas extraordinárias naquela área, um serviço que terá uma vertente voluntária. Por outro lado, os especialistas vão passar a ganhar menos um terço por hora extra nas Urgências do que actualmente.

«Esta é uma medida que pode ter maiores repercussões em hospitais com quadros mais deficitários, como é o nosso caso», admite Luís Ferreira. No entanto, apesar de frisar que a intenção do responsável pela pasta da Saúde pode vir a ter «efectivamente um grande impacto» no Hospital Sousa Martins, o director clínico realçou que ainda não tinha uma reacção por parte dos médicos, sendo que quem trabalha em regime de 42 horas semanais ou 35 horas serão previsivelmente mais afectados. É que, segundo os cálculos do Ministério da Saúde, o fim do pagamento das horas extra nas Urgências será um rombo no valor pago ao final do mês a muitos médicos. Assim, com a alteração à lei em vigor, que aguarda a promulgação do Presidente da República, os clínicos que trabalham em regime de 35 horas semanais deixarão de ganhar pela tabela máxima, isto é, o mesmo valor por hora extra que recebem os profissionais de igual categoria mas cujo regime laboral é de 42 horas por semana. Deste modo, se um assistente graduado do segundo escalão ganhava por cada 12 horas extra nas Urgências 542,89 euros, passará a receber 355,26 euros, o que significa um decréscimo de 35 por cento. Assim, com apenas um médico, o Estado poupará 188 euros num turno. Mas Luís Ferreira teme que possa haver uma diminuição de médicos para fazer Urgências. «As maiores repercussões irão sentir-se nos médicos que fazem 35 horas, daí que tudo dependa do que esses colegas, que aguardam pela publicação do decreto-lei, vão fazer», explica.

Caso a maioria destes clínicos opte por deixar de fazer serviço nas Urgências, o director clínico do Hospital da Guarda avança com três cenários possíveis. O primeiro é que os colegas que fazem 42 horas estejam dispostos a fazer mais horas, «o que parece difícil», receia, acrescentando que o recurso a serviços externos ou a outros hospitais também será complicado «porque deverão ter os mesmos problemas que nós». A terceira e última hipótese, «a pior de todas», é «descontinuar». Ou seja, «deixar de haver Urgências 24 horas por dia nalgumas especialidades. É um risco que efectivamente se corre», avisa. As medidas anunciadas por Correia de Campos deverão entrar em vigor até ao final do ano e irão afectar mais o interior do país. Em declarações ao “Público”, Manuel Delgado, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, afirmou que «na faixa litoral do país, não há falta de médicos na maioria das especialidades. Ela poderá ocorrer em regiões do interior, onde os quadros são mais envelhecidos, mas o Governo tem na mão instrumentos para incentivar a mobilidade dos clínicos», afirmou. Entretanto, de acordo com a edição do passado dia 9 do “Diário Económico”, o ministro acredita que, como a remuneração auferida nas Urgências é vantajosa, os clínicos vão passar a realizá-las voluntariamente. Em oposição, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) afirmou que «se os médicos não estivessem obrigados a efectuar regularmente trabalho extraordinário nas Urgências, a grande maioria destes serviços já teria encerrado».

Ricardo Cordeiro

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