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Uns antes, outros depois

Somos todos lesados do BES, como fomos todos lesados do BPN e, na realidade, como somos todos lesados de uma governação neoliberal orientada pela seguinte regra: “lucros privados, prejuízos socializados”. O padrão é sempre o mesmo: as responsabilidades pelos prejuízos perdem-se nos processos sem fim dos tribunais, o rasto dos lucros perde-se em offshores. Ao passo que as contas ficam para milhões de cidadãos comuns, que são obrigados pelos governos a resgatar os milhões desbaratados na irresponsabilidade especulativa. Assim vemos os impostos sobre o rendimento e o consumo aumentados e desviados para pagar buracos financeiros da ordem dos milhares de milhões. Assim vemos as pensões e os ordenados de funcionários públicos cortados, as carreiras congeladas, as funções de Estado social reduzidas a mínimos. Os prejuízos do BPN, que soubemos esta semana (em reportagem da Antena 1) terem sido martelados por indicação governamental de maneira a parecerem menos do que eram, já estão bem acomodados na nossa “austeridade”. Teriam bastado para fazer o orçamento de vários ministérios ou, simplesmente, garantir boa parte do rendimento que foi subtraído a milhões de portugueses.

Os prejuízos do BES, depois do fracasso de uma venda que nem a preço de saldo resultou, seguem pelo mesmo caminho. O dinheiro posto no Novo Banco para o manter funcional está muito longe de vir a ser recuperado. Mas a situação é realmente pior do que parece a muitos comentadores. Porque a esse dinheiro é preciso juntar o de pensionistas e emigrantes que viram as suas poupanças desviadas, sob um pressuposto de confiança que foi abusivamente traído. Estes concidadãos não fazem parte dos privados que lucravam. Estão antes do lado dos que arcam com os prejuízos socializados. Porque era, ao contrário do BPN, um banco fortemente enraizado na população, o BES pôde começar a socializar os prejuízos por antecipação: com os pensionistas e emigrantes cuja confiança traiu. Somos todos lesados do BES, com uma pequeníssima diferença: uns antes, outros depois.

Por: André Barata, filósofo e professor na Universidade da Beira Interior

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