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Uma reviravolta

Bilhete Postal

Por um qualquer azar surgiu roldana no lugar do tapume, e aquilo que não se via ficou despido, aquilo que se escondia elevou-se no ar. Por um estranho caminho derrubaram os andaimes e viu-se a estrutura, e onde havia cimento e tijolos colocaram vidros grandes e fortes. As luzes davam força à imagem e tudo se mostrava plenamente. O obscuro ficou transparente, o escuro ficou iluminado e tudo à nossa volta parecia agora mais fácil de compreender. É mais fácil viver com as contas à mostra, com a roupa interior lavada e cerzida, com as tatuagens expostas e desse modo com as previsões diante. Não vou fazer vergonha, não vou surpreender ninguém. Eu sou esta conta calada, esta dívida permanente. Eu sou a doença e o doente, a porcaria varrida para baixo do tapete, o biombo a tapar misérias, as tatuagens do médico fardado a rigor. Mas nem tudo isto é mau, nem tudo é demente. Por vezes aquilo que nos choca pode ser uma estrada nova, um percurso deslumbrante. Por um qualquer azar a roldana levantou o biombo e expôs a doença e agora anda aquela praga a tomar a pele de toda a gente. Uma escara neste, uma borbulha naquele, uma inflamação no outro. A praga propaga-se por toda a gente. É a depressão da exposição crua e vil de uma realidade que antes estava tapada. Mas a força não está nua. Há sempre uma força que nasce da amargura e sepulta o luto que agora atravessamos. O luto de descobrir os enganos e ficar com o ónus da casa que não estava paga, do filho que não era nosso, do carro em “leasing”, a barbearia hipotecada. May the Force be with us.

Por: Diogo Cabrita

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