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Uma Questão de Prioridades

Quebra-Cabeças

Se a cidade da Guarda tem um emblema, algo que a faça sobressair da vil mediania, é a sua catedral. Sem ela, seria um pesadelo de caixotes de condomínios feios e mal construídos, uma espécie de Amadora do interior. Um buraco atrasado e feio.

A Catedral dá dignidade e nobreza à cidade. Justifica só por si uma deslocação. Pena é que tenha sido relegada para uma espécie de quarto dos fundos, que a sua zona envolvente tenha perdido importância e se tenha tornado num deserto.

As obras do Polis na Praça Velha são obviamente necessárias. Não é admissível que essa área continue a ser, como é há décadas, um mero depósito de automóveis. Há que arrepiar caminho e recuperá-la. As obras do Polis, por isso, são necessárias e urgentes.

O problema é que de nada vale recuperar a Praça Velha se as pessoas não conseguirem chegar lá, se não tiverem forma de estacionar por aí. Acontece também que é impossível resolver o problema do estacionamento na Zona da Praça Velha sem o solucionar no resto da cidade. As ruas são comunicantes entre si e a pressão da procura acaba por nivelar a escassez da oferta por todo o centro e zona adjacente.

Um dado pouco referido e pouco abonatório para a Câmara Municipal é que hoje, em 2004, a oferta de estacionamento no centro da cidade, na zona nobre de comércios e serviços, é a mesma de há trinta anos atrás. É como se estivéssemos parados no tempo, como se não tivesse havido qualquer desenvolvimento, como se não houvesse hoje mais pessoas a procurar chegar aqui.

Apesar do óbvio défice de desenvolvimento, é óbvio o aumento de procura de lugares de estacionamento. Quem, como eu, trabalha no centro da cidade, sente-o todos os dias. E eu sinto-o desde que aí abri escritório em 1987. De então para cá lembro-me de ouvir promessas em cada campanha eleitoral para solucionar o problema. Este agrava-se de ano para ano, de eleições para eleições, e o único gesto significativo da Câmara Municipal da Guarda em sede de política de estacionamentos foi a recente decisão de eliminar cento e cinquenta lugares com as obras na Praça Velha. Isto numa cidade com bairros periféricos a mais de cinco quilómetros do centro e com uma rede de transportes públicos pouco mais que simbólica.

A minha rotina matinal (estacionar, comprar os jornais, ir ao Café Central e depois ao escritório) implica cruzar o centro da cidade. Um dos exercícios a que me tenho dedicado ultimamente consiste em contar o número de carros que se encontram estacionados em óbvia transgressão, como por exemplo em dupla fila, em cima do passeio, a bloquear saídas de garagem, em cima ou demasiado próximos de passadeiras, fora dos locais assinalados para estacionamento, etc. Nas três ou quatro ruas por onde circulo, avisto diariamente mais de cinquenta carros em transgressão e um deles, habitualmente, é o meu. Este número é evidentemente um sintoma e só não o vê quem não quer. Outro sintoma é o facto de se terem aproveitado para estacionar, com obrigatoriedade de pagamento do parcómetro, lugares em que, face ao Código da Estrada, isso constituiria transgressão por proximidade de uma curva, de uma intersecção de trânsito, de uma passadeira, etc.

É por isso que é lamentável, numa cidade em que o estacionamento chegou a este ponto, que há trinta anos se não faça nada para solucionar o problema (a implantação dos parcómetros foi apenas uma forma de o rentabilizar economicamente) e que se tomem decisões que o agravam.

Por: António Ferreira

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