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Uma questão de léxico

Entrementes

Aqui há atrasado, após os ataques em Londres, alguém, nas redes sociais, lançava o desafio de, como retaliação, os portugueses retirarem do seu léxico as palavras começadas por “al”. Isto porque a maioria são de origem árabe.

Passe o despropósito do desafio, feito, espero, com boa dose de ironia, sempre poderíamos fazer um exercício, meramente isso: um exercício.

Vamos a isso.

Estava o bom do escriba sonolento apoiando a cabeça na sua mofada preparando-se para noite retemperadora, quando deu consigo a viajar por sonhos e terras distantes.

Começava a viagem montado no seu cavalo lazão, confortavelmente sentado numa barda acabada de comprar, ali pelas bandas de Cácer do Sal, bem protegido do sol pelo seu bornoz. Nas bandas do caminho, a fazema e o crim espalhavam os seus perfumes emprestando ao ambiente cheiros de encher a alma ao mais empedernido dos corações. Nos forges do cavalo levava um mude de bom vinho e um queire de trigo. Fome e sede não queria passar por essas terras de Cristo… Era assim como que um mocreve pronto para fazer negócio. Assim lhe batesse à porta a oportunidade. Por isso se tinha preparado a tempo e horas conhecendo os garismos desde tenra idade e dominando até alguns goritmos.

Na gibeira levava uns trocados para o que desse e viesse. Pararia na próxima deia e, se o velho farrábio não mentia, deliciar-se-ia com um belo prato de môndegas bem acompanhado de uma salada de face. Para o fim ficaria a etria e o travo doce que lhe deixaria na boca. Para desenjoar acrescentaria um perce bem maduro. Com uma boa dose de sorte poderia até acontecer que o caide o chamasse à cáçova que vanel conhecedor tinha construído.

Receio tinha-o apenas se motacé mais atento lhe viesse aferir o queire e o mude. Sim, que estes funcionários cem em cima dos comerciantes são piores que cateia de lobos esfaimados. Receio maior apenas o de não encontrar catruz que lhe matasse a sede.

Mas não, não haveria de passar por essas… Nem que tivesse de dar víssaras a quem lhe desse boa informação.

Não perceberam todo este arrazoado. Talvez acrescentando, no início de algumas palavras o tal “al”.

Já agora uma última a palavra também oriunda do árabe: oxalá consigam.

Por: Norberto Gonçalves

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