Já não me lembro por que comecei a folhear o Expresso, no sábado passado, mas algum motivo deveria ter para o fazer. Apesar de nunca ter adquirido o hábito de comprar este jornal, não é fácil escapar aos seus inúmeros cadernos e folhetos publicitários: há sempre alguém que se passeia com eles debaixo do braço e que está disponível para partilhar a informação, sempre um café onde se entra e em que é possível passar os olhos pelos títulos principais. Muito provavelmente, no sábado passado apenas me interessava por seguir a forma como as universidades se publicitam num meio que sabem ser folheado regularmente pela cidadania com pretensões ao conhecimento. Quando passei os olhos pelo editorial de José António Saraiva, não queria acreditar. Depois olhei melhor e pareceu-me ser uma brincadeira de verão ou talvez uma provocação. Em vez de ler logo o artigo todo, do princípio ao fim, galguei avidamente as linhas na procura de confirmar a minha impressão inicial. Tudo em vão, porque o director do Expresso estava mesmo a defender, com toda a seriedade, a fundação de uma nova capital para Portugal.
Confesso que, em abstracto, o tema tem qualquer coisa de atractivo. Pode ser simplesmente a possibilidade de exercer a imaginação política inerente à mudança das estruturas políticas de um país, ou o imaginário da construção de cidades lendárias que ganham para a civilização terrenos até aí não desbravados, ou até a lembrança mais tangível das lições de história e de geografia em que se destacavam essas experiências levadas a cabo em várias partes do globo. Aliás, o meu passatempo preferido de criança sempre foi o de cruzar o mapa mundi com os olhos à procura, por exemplo, das capitais que já não o eram porque, entretanto, surgira um novo ponto a disputar a primazia gráfica do anterior. Cotonou, Abuja, Dodoma… Afinal, e qualquer que fosse a sua dimensão populacional, uma capital era sempre representada pela dignidade de dois círculos quase sobrepostos, um dentro do outro. A capitalidade goza deste tipo de privilégios… ainda que não passem de simbólicos.
Todos estes elementos se podem encontrar no editorial do Expresso. A alteração das estruturas políticas, o elemento simbólico e mesmo o projecto lendário que mobilize as expectativas e as energias de toda uma comunidade. Aquilo que José António Saraiva não parece levar em consideração é a forma como estas mudanças de capital se revelam, invariavelmente, para além de muito custosas, inúteis em termos dos objectivos principais que se propõem atingir. É certo que a nova centralidade não põe em causa os privilégios da antiga capital, como sublinha no editorial, mas a criação de novas dinâmicas nacionais também não fica assegurada com a passagem simbólica de testemunho. Aquilo de que o nosso país precisa é de criar dinâmicas regionais coerentes e não de fabricar novas capitais onde os políticos se vão refugiar como resposta milagrosa para o défice de representatividade. A propósito, aquilo de que o país não precisa é da multiplicação de estruturas regionais, cada uma com os seus mapas, os seus apaniguados e privilegiados e a sua lógica autista de funcionamento. Infelizmente, o processo de descentralização em curso parece ser tudo aquilo de que o país não precisa. O país não precisa de áreas metropolitanas em zonas rurais nem de autarcas a disputar a localização da secretaria de estado da agricultura. Ou será que essa é mesmo uma faceta natural da nova organização ‘interessista’ do país e da sua administração?