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Uma oportunidade perdida?

Pois, Pois

Uma empresa no Minho faz lombadas e através de um distribuidor em Nova Yorque vende o produto em todo o mundo. Outra, na Austrália, produz vidro e faz disparar as vendas ao dizer que o vidro só deixará de ser seu quando os compradores o receberem em mão inteiro e intacto. Isto é possível devido a uma coisa chamada logística. Um camião TIR chega à Guarda carregado, vindo do estrangeiro. A uma hora programada – através de sistemas informáticos e de telecomunicações – essa carga passa para outros camiões que seguem para diferentes pontos do país e, entretanto, passado pouco tempo, o camião já está pronto para seguir para outro lado qualquer com nova carga. Isto é logística. Um conjunto de serviços que vão muito além dos transportes e que permitem uma distribuição mais eficiente. Serviços que reduzem substancialmente a desigualdade de oportunidades das empresas do interior. Serviços que permitem transformar o “interior ostracizado” em “litoral” (e vice-versa), porque o nosso principal parceiro comercial deixou há muito de ser o Reino Unido e passou a ser a Espanha.

O “pai” da plataforma logística da Guarda esteve no Hotel Vanguarda na semana passada a explicar estas coisas a uma plateia de empresários e dirigentes da região. A ideia surgiu em 2000 quando Maria do Carmo, então presidente da câmara, pediu ao antigo ministro da Economia de Guterres um plano para redefinir e expandir o parque industrial do concelho. Já lá vão seis longos anos. E a primeira fase da obra (as infra-estruturas básicas) só estará acabada daqui a seis meses, a acreditar nas palavras de Joaquim Valente.

Mateus disse que o projecto já devia estar a funcionar há muito tempo, mas que o prazo de validade ainda não expirou. Temos talvez mais dois anos. Talvez. Joaquim Valente queixou-se do calvário burocrático do país, da via-sacra administrativa. Tiveram de andar a bater à porta de cinco ou seis ministérios para obter licenças para isto e aqueloutro e, mesmo assim, ficámos a saber que se está a construir ilegalmente, porque ainda falta uma licença qualquer. De nada serviu o apoio público do Presidente da República e de uma data de ministros e secretários de Estado que passaram pela Guarda nos últimos anos. A burocracia em Portugal é um monstro com muitas cabeças feias.

Depois falou o José Luís Almeida, administrador da Joalto, empresa sócia do projecto juntamente com a Luís Simões e a Câmara que tem 37% das quotas. Queixou-se da falta de dinheiro. Segundo cálculos de Augusto Mateus, a rendibilidade da coisa só fica assegurada se se garantir 65% do financiamento a fundos perdidos. Parece que, depois de andarem de guichet em guichet à procura de financiamento para o projecto, a única coisa que se conseguiu arranjar a fundo perdido foram cinco milhões de euros através do Interreg. Não chega. São precisos pelo menos mais 15.

Valente diz que ainda tem esperança. José Luís Almeida mostrou-se muito céptico. Mateus assumiu-se como um “optimista lúcido”. Uma coisa é certa, este projecto é vital para a Guarda. Estamos a falar, talvez, de cerca de quatro mil postos de trabalho.

Ficámos também a saber pela boca de Augusto Mateus que as empresas de cabelagem em Portugal têm os dias contados. Mais ano menos ano, estarão todas “deslocalizadas”. Significa isto que no dia em que a Delphi fechar na Guarda vamos ter um gravíssimo problema social, com centenas de pessoas no desemprego.

Decididamente, Joaquim Valente vai ter de fazer mais alguma coisa. Não basta ter esperança e fazer uns telefonemas para os ministérios. É preciso transformar a Plataforma Logística numa causa de vida ou de morte para o concelho. Envolver e mobilizar a Guarda é a única forma de arrombar as portas da burocracia que, irresponsavelmente, nos estão a hipotecar o futuro. Se o poder central considerou o Rock in Rio (?) um projecto estruturante para o turismo de Lisboa e permitiu que, contra todos os regulamentos, este festival de interesse mais do que duvidoso se instalasse no jardim da Bela-Vista, por que carga de água não haveria de considerar a Plataforma um projecto estruturante e urgente para a nossa região?

Ou Joaquim Valente e os Guardenses percebem rapidamente o que está em jogo ou então mais vale a pena começar a pensar em emigrar.

Por: José Carlos Alexandre

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