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Uma nova porta abriu-se na vida do João

A reinserção social torna-se mais difícil quando se trata de “estigmatizados”, “rotulados”, delinquentes ou portadores de deficiência

O João (nome fictício) tem 38 anos, é angolano e vive na Guarda há quase 30. Mas a vida não tem sido fácil. Além de ser portador de uma deficiência, meteu-se no mundo da droga pela “mão” dos amigos e foi preso. Hoje está a recomeçar uma nova vida, sonha com a carta de condução e voltou a sorrir. Está a trabalhar no que sabe e gosta de fazer: concerta sapatos, faz chaves e afins. Tudo graças a uma sinergia de entidades públicas e privadas que o ajudaram e a uma entidade patronal que o acolheu. Nem sempre é assim. Quando se trata de “estigmatizados”, “rotulados”, delinquentes ou portadores de deficiência, as portas quase sempre se fecham.

«Já me fartei de trabalhar, mas no bom sentido da palavra», regozija-se o João, sapateiro há cinco meses. Caso contrário, a esta hora ainda estava preso e só saía no próximo mês. Para o ex-recluso, esta é uma nova etapa da sua vida, que o faz voltar a sorrir, junto da sua família. Trabalha todos os dias numa superfície comercial da cidade, convive com outras pessoas e fugiu aos “amigos”, «eles nem são amigos, não é?», atira, resignado. Veio para a Guarda em 76, com os pais e irmãos e no início foi difícil a adaptação: «Passávamos um frio», recorda, aludindo aos nevões de antigamente e com saudades da vida sem vícios que levava. Foi na adolescência que começaram os problemas com o consumo de estupefacientes. Experimentou por brincadeira, primeiro o haxixe, de seguida a cocaína «e depois, já era tudo junto», lembra. Tentou diversos programas de desintoxicação, mas sem sucesso, os amigos acabavam por puxá-lo e voltava sempre ao mundo obscuro da droga, «quando somos fracos… isso acontece», constata. Depois a toxicodependência levou-o para a prisão, numa das últimas penas apanhou nove anos.

Entretanto, teve a sorte de se cruzar com instituições como o Instituto de Reinserção Social, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), a ADM Estrela ou o Centro de Atendimento a Toxicodependentes (CAT), que, em parceria, tudo fizeram para arranjar uma solução. O programa Constelação do IEFP, que se destina à reinserção social de pessoas portadoras de deficiência, ajudou o João a encontrar um emprego. «O que não foi nada fácil», confessa Alberto Bidarra, psicólogo da ADM Estrela que funcionou como elo de ligação neste processo. Como o João só tem o 6º ano de escolaridade e um curso de sapateiro, que não chegou a concluir, foi preciso encontrar um emprego dentro desta área. Para tal, “bateram” a todas as portas de casas do género na Guarda «e só na última é que conseguimos», adianta Alberto Bidarra. «Não é fácil fazer a inserção profissional de casos como este, porque as entidades patronais têm receio e nalguns casos é por mera discriminação racial», garante. «Se houvesse mais patrões como o meu, o país seria muito melhor», interrompe o João. O que é certo, é que foi graças a todas estas sinergias, que voltou a acreditar e a sonhar, como nos tempos de Angola. Agora, já só pensa em tirar a carta de condução e comprar um carro, para ir para o trabalho sem ter que depender de mais ajudas. «E se pudesse, comprava um autocarro para levar toda a gente», brinca.

A pobreza escondida é «alarmante» na região

Segundo, Ana Almeida, coordenadora do Núcleo Distrital da Guarda da Rede Europeia Anti-Pobreza (REAPN) e directora executiva da ADM Estrela, «todos nós devíamos ter uma mente mais aberta para este género de questões e isso reflecte-se ainda mais na nossa região». A pobreza e a exclusão social na Guarda são problemáticas que estão relacionadas «com a interioridade, ruralidade, o não acesso à informação e o desemprego crescente na região», aponta Ana Almeida.

A região da Beira Interior é uma das mais afectadas devido ao aumento do número de desempregados, principalmente mulheres, em consequência do encerramento de algumas indústrias de têxteis e confecção. Trata-se de uma situação «alarmante», pois vem despoletar outros problemas como «a pobreza escondida, que é muito problemática», alerta a responsável, «porque as pessoas não estão habituadas a essa nova condição e envergonham-se de admitir as dificuldades», justifica.

Segunda-feira é Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

O núcleo distrital da Guarda da Rede Europeia Anti-Pobreza (REAPN) vai assinalar o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se comemora na próxima segunda-feira, com uma campanha de sensibilização, que se prolonga até quinta-feira. Para tal, o Núcleo vai realizar diversas actividades, com o objectivo de alertar todas as pessoas, entidades públicas ou privadas para a problemática da pobreza e da exclusão social, «a qual não escolhe, nem dia ou hora, nem raça ou etnia», recorda Ana Almeida, coordenadora do Núcleo Distrital da Guarda da REAPN. A “semana da rede”, como se intitula a iniciativa, «pretende-se que seja de reflexão, acção e inquietação», adianta. Assim, na segunda-feira, no auditório do IPJ (a confirmar), às 15 horas, sobe ao palco a peça de teatro infantil “Capitão Tombalão, D. Eustáquio e a Cidade do Penteado” que será representada pela Escola Profissional de Trancoso. Até ao dia 20 realiza-se uma campanha de sensibilização onde serão distribuídos alguns panfletos com dados sobre a pobreza e a exclusão social, para sensibilizar a opinião pública. Esta iniciativa vai decorrer todos os dias, no Jardim José de Lemos, onde será também afixada uma faixa alusiva à temática. De resto, o núcleo que começou as suas actividades há cerca de dois anos no distrito da Guarda, pretende promover o trabalho em rede entre instituições, entidades e população para o combate à pobreza. Por isso, está a elaborar um Diagnóstico Social do Distrito da Guarda, um estudo sobre as ONG’s e outro sobre a Pobreza na região.

Patrícia Correia

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