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Uma nova geração de pastores

O que têm em comum? São mulheres, jovens e dedicam-se à pastorícia. Seja negócio ou lazer, os animais ocupam a sua rotina, marcada por muitas horas de trabalho, solidão e cansaço.

«Não tenho vergonha nem complexos, é um trabalho honesto. Dá-me mais gosto do que andar em formações, mas preferia estar a trabalhar», afirma Maria, uma guardense na casa dos 30 anos, que ficou sem emprego e sem qualquer rendimento há alguns meses. A viver nos arredores da Guarda, arranjou um pequeno rebanho para ocupar o tempo e conseguir algum dinheiro extra para o agregado familiar.

Durante o último Inverno, Maria habituou-se a acordar antes de amanhecer e a deitar-se depois da meia-noite. A pastora saía com os animais bem cedo, enfrentado a escuridão e o frio, enquanto a família gozava as últimas horas de sono. «Costumo acordar às seis horas e fecho as ovelhas às 18. Mas quando faço queijo chego a deitar-me à uma da manhã», refere a guardense. É ela que assegura a manutenção dos animais, pois o marido trabalha e os filhos estudam. «O processo é todo feito por mim, como antigamente, seja a ordenha ou a feitura do queijo», indica. Otimista no arranque desta nova fase da sua vida, Maria acabou por ser vencida pelo cansaço e a aposta, que se afigurava duradora, não deverá manter-se: «Os planos saíram furados. É muito cansativo, não consigo cuidar da casa ou dos outros animais», lamenta.

«Não é com 30 ovelhas que há lucro. Além disso, este trabalho devia ser assegurado por duas pessoas… Não custa, mas é complicado», adianta. A filha mais velha ajudou-a durante as férias escolares, mas o início de mais um período letivo volta a dificultar as tarefas. Esta jovem, a frequentar o ensino secundário, quer manter-se ligada à agricultura, mas ambiciona outra profissão. «Vejo isto como uma atividade secundária, paralela a um emprego… Quero ter uma horta para evitar custos», declara a jovem, acrescentando que «cada vez mais gente recorre à agricultura para poupar dinheiro». Sem subsídio de desemprego por se ter despedido, Maria mostra-se revoltada com a situação atual: «As empresas usam e abusam da palavra crise e da situação em que estamos. Onde são necessários cinco funcionários estão dois ou três», lamenta.

«Os ordenados são uma miséria, não se governa uma casa com 400 euros e as pessoas não são de ferro», critica Maria, que, em breve, desistirá da pastorícia para apostar em animais «mais autónomos».

Uma pastora improvável

Ser pastora não fazia parte dos planos de Anita até há poucos meses. A sua vida estava na Holanda e o que estudava nada tinha a ver com agricultura. Todavia, o namorado português e o contacto com os animais acabaram por levá-la à pastorícia no distrito da Guarda. «Encaro isto como uma profissão. Ordenho as cabras, dou-lhes comida, ando com elas… São seis horas diárias certas, mas temos de estar atentos 24 horas», adianta a imigrante de 29 anos. «É algo que exige um esforço diário o ano inteiro, mas faço por gosto», acrescenta. As cabras, que podem vir a chegar às 450, são parte do sustento do casal, mas o futuro é uma incerteza. «Comecei há poucos meses, só mais tarde vamos saber se foi uma aposta ganha ou não», considera Anita.

Há quatro anos que Inês Simões, hoje com 26 anos, se dedica à pastorícia. «O meu marido sempre teve ovelhas, então quando casámos arranjámos um rebanho», conta a jovem. A viver no distrito, Inês ocupa grande parte do seu tempo a cuidar dos animais: «Faço a ordenha e vou com elas, entre outras coisas. Dá muito trabalho, mas tudo o que se faz envolve trabalho», considera.

Com quase 300 ovelhas, a maior dificuldade é «não podermos tirar um dia, porque quando o fazemos temos de arranjar alguém para ficar com o rebanho, o que não é fácil», ressalva a pastora. A jovem admite que as ovelhas são também uma forma de «passar o tempo», uma vez que «já foram mais para sustento do que são agora».

Quanto às expetativas, Inês Simões é cautelosa: «Nunca sabemos o que nos espera, pelo que vamos adaptar-nos o melhor possível ao que vier», assegura.

Leite espanhol e gastos extra preocupam

«É importante que se perceba quanto leite vem de Espanha e se usa na região para fazer queijo Serra da Estrela». Quem o diz é Agostinho, um pastor do distrito da Guarda, que conta com um percurso já longo na área.

«Não sou contra a entrada de leite estrangeiro, mas isso tem de ser referido no rótulo para que o cliente saiba o que está a comprar», disse a O INTERIOR. A competição entre portugueses e espanhóis – de igual para igual – «limita os fornecedores nacionais, porque algumas queijarias laboram exclusivamente com leite espanhol», considera.

Também a «falta de apoio» por parte do Ministério da Agricultura preocupa este pastor, que tem mais de 200 cabras. «Só controlam em termos de números, a análise ao sangue e os diagnósticos pagamos nós; e é caro», critica Agostinho. «Isto é um gasto extra para quem segue tudo à risca, que não são todos», reforça. Apesar de não ser um estreante nestas andanças, o pastor diz estar preocupado em relação ao que o espera e lamenta as dificuldades provocadas por «gastos evitáveis».

Sara Quelhas Maria apostou na pastorícia mas «os planos saíram furados» e já só pensa em abandonar a atividade

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