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Uma identidade sombria?

Às vezes é difícil tornar visível o que nos vai na alma, perdemo-nos na esfera do quotidiano, nas nossas preocupações mais palpáveis, mais materiais… E é por hábito encontrarmos perguntas sem respostas imediatas, algumas sem solução… É frequente não nos responderem quando somos demasiado objectivos e frontais. Na esfera do quotidiano é normal fazermos conjecturas sem bases sólidas. No final de mais um ano, ocorrem-me um conjunto de questões que provavelmente ficarão sem resposta ou não terão solução… por razões circunstanciais, por sistema, por ninguém se querer chatear… e pensar que no próximo será melhor.

Porquê a continuada ausência de um Plano de Urbanização da cidade? Porquê a revisão do Plano Director Municipal ainda permanece no segredo dos deuses? A sua elaboração não tem um prazo? Para que serve, se continuamos a ter uma urbanização deficiente do território? Haverá alargamentos qualificativos das áreas construídas? Quais as directrizes que sustentam a promoção qualitativa e sustentável da edificação? Haverá directrizes que promovam uma gestão urbanística de qualificação das estruturas urbanas existentes e as que virão no futuro? Os espaços urbanizáveis serão espaços “livres” previamente controlados por interesses e grupos particulares? Será que podemos pensar promover, projectar, construir o espaço público da cidade do futuro? Ou encher os bolsos de alguns? Porque se deixa alguns transformarem a cidade no seu quintal?

Qual a contribuição dos empresários da construção civil no desenvolvimento de uma cidade sustentável, de acrescida qualidade construtiva e ambiental? Porque se continua a aprovar urbanizações sem lógica e orientação topográfica, traçado ou tendência de fazer o espaço público alargado da cidade? Porque se insiste deixar fazer loteamentos amuralhados? Que cuidados têm tido os responsáveis políticos em relação ao cumprimento de princípios básicos de urbanização do território? Porque continuamos a operar a realidade repetindo o mesmo guião, sem uma clara direcção que devia assentar em pressupostos de excelência e qualidade? Em termos urbanísticos, qual o modelo de cidade (se é que existe…) a implementar, a implantar, a construir? Será que estamos a fazer com que a arquitectura do nosso espaço urbano seja melhor? Onde está a construção de qualidade? Porque existe uma oferta habitacional de baixa qualidade? Os preços são compatíveis com os níveis de qualidade oferecidos? Porque continuamos a operar, actuar de um modo isolado na forma do “centro histórico” da restante cidade? Porque não se tratam as diferentes “partes” da cidade como um todo? Será que estamos a salientar e aprofundar as características específicas da identidade da cidade da Guarda?

Porque é tão urgente implementar a dinâmica de centros comerciais? Para acompanhar as cidades que os têm? Não existem outras opções? Para salvar o comércio tradicional? Para passearmos e fugirmos do frio em dias de neve? Para aumentar o consumo desenfreado? Será uma espécie de doença que nos ataca ao fim de semana? Uma espécie de sonambulismo que nos atira para o contentor cheio de lojas? Porque é que continuamos acreditar que os centros comerciais convencionais irão substituir o comércio de rua? Porque continuamos a copiar os maus exemplos? Porque não subimos a fasquia? Porque se discute o acessório?

Será assim tão privilegiada a localização geo-estratégica da Guarda, em termos de acessibilidades? Será assim tão difícil colocar a cidade numa rota de visibilidade? Um lugar ao sol? Porque colocámos um “cinto” (VICEG) apertado e por apertar à volta da cidade apenas com função de escoamento de trânsito rápido?

Porque não enchemos o TMG todos os dias? Porque é que o TMG está na rota das principais salas de espectáculo do país a visitar? Porque não enchemos a pequena sala de cinema, para ver, por exemplo “O pesadelo de Darwin”? Gostamos mais das “pimbalhadas”, dos “realty shows”, concebidos para as massas televisivas?

Porque é que a PLIE, sendo uma estrutura de captação de investimento, não assenta numa estrutura urbanística inovadora? Não será mais um loteamento incaracterístico com vertente de serviços, logística e indústria sem o mínimo de interesse? Sendo um motor físico de investimento porque foi adoptado um modo de projecto, implementação e construção convencional?

O programa Polis acrescentou mais valias no modo como a cidade foi reestruturada? As acções catalíticas resultando nas obras executadas contribuíram, para uma cidade com mais qualidade urbana? Quais foram os critérios de escolha das equipas projectistas das obras visíveis executadas? Trouxeram alguma mais valia à cidade? Contribuíram para resolver espaços e territórios que a gestão urbanística corrente ou a “desurbanidade” instalada não resolveu? Foram analisados, medidos, quantificados os resultados desta acção? Os responsáveis dirão o costume? Os resultados são positivos? Identificamo-nos com o que foi feito?

Onde está o futuro património como parte essencial na atracção de turismo na região? É importante ter um PDM? Porque não se formula um estudo de caracterização morfológica, tipológica, construtiva que possa funcionar como um “regulamento” específico para a construção de uma cidade mais atractiva? Porque não se discute a cidade? Porque nos conformamos e nos perdemos no dia a dia? Porque não transformamos toda a cidade num grande centro comercial? Porque não somos capazes de captar grandes marcas de consumo? Porque não transformamos a cidade numa permanente festa? Porque não temos ideias desmedidas? Porque não se constrói a cidade com arte, argúcia no estilo e sensatez nos actos? Porque não se aspira mais? Porque não temos uma iluminação urbana de Inverno capaz de ser motivo de passagem regular e obrigatória futura? Porque não temos comércio? Porque não pautamos pela diferença e a excelência de serviços, comércio, turismo e lazer? Porque não temos um museu sobre arquitectura tradicional das diversas regiões do país, tendo como exemplo próximo e a sinergia do futuro Museu do Côa? Porque não pensar na cidade da cultura, mas permanentemente? Porque não intervimos no jardim José de Lemos, pretexto para uma intervenção urbana no centro? Porquê a GNR se mantêm no centro e o novo quartel não é mais do que uma miragem? Porque não se materializa uma ligação física de carácter turístico da cidade da Guarda à Serra da Estrela? Porque não se coloca a qualidade em detrimento da quantidade quando construímos? Porque é que um lugar com 807 anos de história não está a ampliar a sua especificidade histórica, no essencial a sua identidade?

Por: Carlos Veloso, Arquitecto

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