A paralisação dos transportadores rodoviários (que não é uma “greve dos camionistas”) põe o dedo em várias das nossas feridas e demonstra não só como somos mal governados, mas também como merecemos ser mal governados.
Primeiro, e mais culpado, o governo. As trocas comerciais são críticas para a economia e para a vida dos cidadãos e empresas, o que justificaria políticas consistentes e eficazes para o sector dos transportes de mercadorias. Há muito que se decidiu na União Europeia, com o objectivo de reduzir emissões de carbono e melhorar a segurança rodoviária, que o meio preferencial de transporte de mercadorias passaria a ser o comboio. Por estrada ficariam apenas os transportes de proximidade e de urgência. Por isso, para além do mais, surgiram diretivas a limitar os tempos de condução. Entretanto, que fez o governo? Auto-estradas. E caminho de ferro? Nada de notável, à exceção de vagas promessas de TGV em que ninguém se entende. Entretanto, vai assistindo silenciosamente à insolvência das transportadoras, provocada pelo aumento do custo dos combustíveis, das portagens, dos juros e demais custos financeiros, pelo esmagamento das margens de lucros. Sabe o governo que qualquer transportadora circula neste momento com prejuízo, uma vez que não consegue faturar o suficiente para cobrir sequer os custos básicos de funcionamento. No entanto, deixou o governo que o essencial das trocas comerciais do país ficasse refém de empresas que chegaram ao limite e não aguentam mais a atual situação.
Culpadas são também as empresas e as suas associações. A forma normal de repercutir o aumento dos custos de produção é no preço final do produto que se coloca no mercado. Se o gasóleo aumenta, ou as portagens, isto tem de ser repercutido no custo do transporte. Dizem que não conseguem, que há sempre alguém disposto a aceitar um frete a preços de saldo, a preços abaixo, por isso, do custo real do transporte. Há uma resposta para isto, prevista nas leis da concorrência, e haveria que a fazer funcionar. Se uma empresa aceita transportar mercadoria a setenta cêntimos por quilómetro, é porque não paga aos trabalhadores, ou aos bancos, ou ao Estado, ou porque está a fazer dumping. Não vale a pena fazer mais leis, que as existentes chegam: Há é que denunciar as situações duvidosas e obrigar os prevaricadores a cumprir a lei. Mas não, a melhor solução que arranjaram é exigir o fim das portagens e a redução do preço dos combustíveis – como se isso fosse uma solução para as distorções da concorrência existentes no sector, que pelo vistos continuarão a existir seja qual for o preço do gasóleo ou das portagens. E entretanto, enquanto continua esta luta imbecil, prosseguida já agora com meios criminosos, prejudicam-nos a todos.
Os sindicatos não estão inocentes, por sua vez. Agarraram-se aos privilégios irrealistas conquistados há quase vinte anos e não arredam pé. A cumprir-se o contrato coletivo de trabalho, um motorista não pode fazer mais de duas viagens por mês: se passar um fim de semana no estrangeiro, tem o direito a ver esses dois dias retribuídos com duzentos por cento de acréscimo e a dois dias de descanso compensatório; ora, considerando que a ida ao centro da Europa e regresso demoram uma semana, o que implica um fim-de-semana no estrangeiro, o jogo dos descansos compensatórios e dos descansos obrigatórios à chegada e antes da partida torna inviável fazer mais de duas viagens por mês – legalmente (e uma empresa do sector só seria viável se conseguisse fazer pelo menos três viagens e, agora, já nem assim). É que, ilegalmente, fazem-se, e por isso temos os tribunais de trabalho entupidos com processos de motoristas e um contrato coletivo de trabalho que não é revisto há mais de dez anos.
Solução para isto tudo? Antes de mais, deixem funcionar os mercados e não façam batota. Depois, talvez seja tempo de meter na cabeça de toda a gente que a forma mais barata de transportar mercadorias, de e para um país periférico como Portugal, é o comboio.
Última hora: acaba de haver acordo entre o governo e as transportadoras. Apostam que não vai resolver nada de essencial?
Por: António Ferreira