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Uma grande ilusão

Num ensaio sobre a Europa, publicado em 1995, traduzido recentemente para português, o historiador Tony Judt explica por que motivo uma “Europa” verdadeiramente unida é altamente improvável e é contraproducente insistir nessa ideia.

Na verdade, não houve qualquer consciência europeia no nascimento da “Europa”, houve, isso sim, uma “europeização” de problemas internos, sendo a França a grande incentivadora e beneficiária desse processo. Os egoísmos nacionais, de que tanto se queixam hoje os idealistas, estiveram presentes desde sempre. Só 50 anos de propaganda maciça e de histórias da carochinha contadas a sucessivas gerações explicam o esquecimento ou a omissão deste facto essencial.

A França, uma das grandes derrotadas da Guerra, precisava desesperadamente de carvão para a sua indústria de aço e só a Alemanha lho podia fornecer. Depois de várias tentativas frustradas para se apoderar da valiosa matéria-prima, viram-se obrigados a fazer um acordo com a Alemanha, os países do Benelux e a Itália para criar a CECA em 1951. Os americanos e, sobretudo, os ingleses estavam mortinhos por se verem livres do fardo de alimentar milhões de bocas e interessava-lhes em consequência que a Alemanha se desenvolvesse. Por seu lado, o chanceler Konrad Adenauer viu no Plano Schuman a grande “oportunidade” da Alemanha recuperar a sua soberania e regressar ao seio da comunidade internacional.

Entretanto, com o início da guerra fria em 1947, a “Europa” pôde contar com o chapéu americano e com os milhões de dólares do plano Marshall (1948-1952). Duas guerras devastadoras, com uma grande depressão pelo meio, criaram ao mesmo tempo um enorme potencial de crescimento, uma espécie de efeito do tempo perdido – só em meados dos anos 70 o peso das exportações e importações dos países europeus se aproximava do seu valor de 1929.

Os europeus criaram entretanto a ilusão de que tinham encontrado uma fórmula mágica para o crescimento económico, sendo a “Europa”, retrospetivamente, vista como o ingrediente decisivo. Isto permitiu-lhes criar o Estado Social e tornar a “Europa” um polo magnético, cujo sucesso, supostamente, exigia uma integração cada vez maior.

A queda do muro de Berlim foi o princípio do fim da ilusão. Com a adesão dos países de leste, que a França, compreensivelmente, tudo fez para evitar, a centralidade económica da Alemanha foi reforçada com a centralidade geográfica. A França viu-se reduzida à sua verdadeira dimensão, a de uma potência regional. Ficava agora à vista de todos que a “grandeur” da França era apenas uma ilusão, sustentada, em grande parte, pelo poder, até então, discreto da Alemanha.

Ao mesmo tempo, o abrandamento do crescimento económico fez surgir as dúvidas e abalou irremediavelmente as perspetivas otimistas em que assentava todo o projeto.

O euro pode bem ter sido pode bem ter sido o último grande salto em frente da “Europa”. Como sublinha Tony Judt, seja o que for que possibilitou a Europa Ocidental que hoje temos, foi certamente único – e irrepetível. E nunca mais ninguém terá igual sorte.

Por: José Carlos Alexandre

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